Estamos em um período dúbio do sentimento nacionalista, ainda mais quando o motor desse sentimento vem da nossa casa. A cada quatro anos, os olhos da imprensa, e consecutivamente de quem a acompanha, se viram para uma cidade específica, a sede da edição X dos Jogos Olímpicos.
Neste ano, vivemos as Olimpíadas Rio 2016, ou seja, jogos no nosso Brasilzão. O mundo volta suas lentes, suas canetas e seus microfones para a cidade maravilhosa. Como esses objetos anteriormente citados não possuem vida própria, algum ser humano precisa colocar seu esforço e conhecimento para fazê-los funcionar. Para isso repórteres existem.
E o que se vê no Rio de Janeiro é uma enxurrada de profissionais sedentos por sonoras, aspas, falas e comentários, para suprir as horas de jornalismo e transmissão das competições que seus veículos estão promovendo, ou para dar algum ar de notícia nova nas linhas de seus textos impressos ou online.
Entre os canais que estão se destacando nessa cobertura, sem dúvida o SporTV possui um papel de destaque. 16 canais dedicados à transmissão das diversas modalidades, com mais de 36 narradores e 110 comentaristas de todas as modalidades que ocorrem nos Jogos Olímpicos, além de mais de uma centena de repórteres.
São 462 atletas brasileiros, além de diversos internacionais com muitas histórias a se contar e sentimentos para manifestar.
Mas ao que eu desejo me atentar foi a um episódio que ocorreu nos 50m livre da natação, mais especificamente após a final, envolvendo a repórter do SporTV Karen Duarte e o único representante do país na final, Bruno Fratus.
Uma entrevista que ninguém queria fazer
Para contextualizar a prova, Fratus, esperança do Comitê Olímpico Brasileiro e da imprensa de medalha teve um desempenho abaixo do esperado por todos, inclusive pelo próprio nadador. Questionado pela repórter se estava chateado com seu desempenho, o qual já tinha definido anteriormente como lento, bem ruim etc., ele respondeu: “Chateado? Estou felizão, fiquei em sexto. Desculpa, mas estou bastante triste, decepcionado. Estou bem abaixo do que consigo nadar.” Após alguns minutos da resposta dada ele voltou e pediu desculpa, dizendo que estava irritado e de cabeça quente: “Queria desculpas. Sou melhor falando no olho no olho e péssimo falando publicamente, de cabeça quente. Queria agradecer a quem torceu por mim hoje, deixei tudo na água e não saiu. Desculpa quem está em casa. Não consigo lidar bem com esse tipo de decepção.”
Quem trabalha com mídia, imprensa e jornalismo deve estar nesse momento pensando o corriqueiro: mas que absurdo, como pode um atleta olímpico tratar assim uma repórter? Precisa de preparo para dar entrevistas. Como é mal educado esse tal de Fratus etc.
Agora, vamos pensar com calma. Imagine você, atleta olímpico, com bons tempos no ano, nos mundiais, nas classificações, chegar na prova mais importante do ciclo de quatro anos, quem sabe, da sua vida, ir mal, completamente fora das suas expectativas, lento, desengonçado, falhar claramente por culpa sua e ainda ter de, na sequência do fato, dar uma maldita entrevista que será assistida por 200 mil pessoas? Para ajudar, a repórter, possivelmente completamente sem graça de realizar a entrevista, sabendo o que tinha ocorrido e vendo a cara de felicidade do atleta, ter de inventar três perguntas, pois essa é a média de questionamentos que os repórteres do SporTV estão fazendo aos atletas entrevistados pós-provas, sobre aquilo que tinha ocorrido, e ela pergunta se ele estava chateado, o que obviamente estava. Enfim, dois coitados tendo de participar de uma entrevista que ninguém queria fazer.
A importância e o valor do silêncio
Aí, eu paro e reflito: mas por que continuamos com este tipo de valorização do falar e da sonora logo após o fato? Não é de hoje e nem novidade que esta necessidade de se ouvir o atleta logo após o evento é trabalhada. Futebol, vôlei, atletismo, esgrima etc., trabalham com o mesmo modus operandi. E eu fico me perguntando: qual a necessidade de se perguntar o óbvio a alguém que vai responder o óbvio e que só está lá por que é obrigado? À mídia, falta sensibilidade.
Sensibilidade ao perceber que tem horas que o calar é melhor que o falar, que a sonora em certas ocasiões é desnecessária e só serve para ocupar espaço e dizer que se ouviu o atleta, e depois gerar comentários, não errados, de que o atleta alfa ou beta podia ser mais educado, gentil, ter mais controle e que a culpa não é da repórter. Não é mesmo, ela só está fazendo seu trabalho. A culpa é de quem manda ela fazer daquela forma o seu trabalho, com essa necessidade maluca de se ouvir o atleta após a competição, ou de levá-lo, após correr 90 minutos numa segunda-feira à noite para um estúdio improvisado, sem ao menos ter tomado banho, para participar de um programa de TV.
Eu sinto que esquecemos, nós, que cobrimos jornalismo esportivo, o que deveria ser nosso foco de cobertura, o evento, a competição. Sem o competidor não fazemos nada, e nosso trabalho se empobrece. Mas, sinceramente, de que adianta sonoras e sonoras, áudios e áudios que só servem para irritar o atleta e gerar comentários pobres, que todos nós já sabemos que acontecerão e que não acrescentam nada?
Muito tempo atrás, criticavam a Folha de S.Paulo por não mandar repórter para as coletivas de técnicos e jogadores, estas que há 300 anos são as mesmas e que eu consigo lhe dizer exatamente o que será perguntado e o que será respondido. Será que não está na hora de paramos para pensar e copiar a Folha?
Talvez pelo amor à imprensa e ao jornalismo, ou pela pressão do chefe, tenhamos esquecido a importância e o valor do silêncio.
Por Bruno Henrique de Moura em 15/08/2016 na edição 916 DE OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA
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