Representantes de músicos e compositores divergiram nesta segunda-feira (17) sobre as regras em relação aos direitos autorais durante audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF). O debate vai embasar o julgamento de duas ações que tramitam no tribunal e contra a Lei de Direitos Autorais para obras musicais, aprovada pelo Congresso no ano passado.
Nas ações, o Escritório Central de Arrecadação de Direitos Autorais (Ecad) e a União Brasileira de Compositores (UBC) questionam trechos da lei que estipulam como de “interesse público” a atuação dos órgãos de arrecadação e determinam a divulgação de valores arrecadados com direitos autorais.
Na avaliação do Ecad e de outros músicos contrários à nova lei, o texto prevê intervenção do Estado na propriedade privada. Eles consideram que a regra fere a ordem econômica, a liberdade de associação, o direito de propriedade e o direito de privacidade dos autores.
Outros músicos, porém, defendem que a lei regulamenta a atuação do Ecad e também a destinação dos valores a serem distribuídos a compositores e intérpretes.
O relator das ações no Supremo, ministro Luiz Fux, disse esperar um julgamento “muito difícil”.
“Apesar de ser uma classe muito criativa, está extremamente dividida. De um lado aqueles que entendem que o direito autoral é propriedade privada e não deve merecer ingerência da tutela estatal. E, de outro lado, entendem que no Brasil de hoje, onde há marcos regulatórios para todas as atividades, nada impede que haja a regulação da gestão coletiva do direito autoral. Vamos prosseguir audiência, colher mais elementos, transmitir aos demais colegas da Corte, porque já antevejo um caso muito difícil de ser julgado”, afirmou o ministro.
Segundo Fux, o tema poderá ser julgado ainda em 2014. “Eu pretendo levar a julgamento ainda este ano”, disse.
Lobão x Frejat
Durante a audiência, o cantor e compositor Lobão disse que tirar poderes do Ecad é uma forma de “revanche” e que é preciso melhorar o órgão de arrecadação e não passar para o governo a incumbência de fiscalizar a arrecadação.
O cantor Lobão participa de audiência pública no STF
sobre direitos autorais
“Parece medida mais de revanche com o Ecad porque a coisa é aperfeiçoar o Ecad e não punir o Ecad, castrar o Ecad. Se castrar o Ecad, está castrando a gente mesmo. Vai botar no governo? O que o governo gerencia que a gente pode aplaudir? Nada. É absurdo querer botar no governo. E porque cargas d´água acreditar na honestidade maior do governo do que na honestidade de entidade privada? É absurdo”, disse Lobão.
O cantor criticou o grupo que apoiou a nova lei e a entidade Procure Saber, que reúne artistas para debater questões relativas à área cultural e que foi favorável às novas regras.
“Pergunte a eles porque meia dúzia de 30 pessoas representaram uma classe de mais de 300 mil que discordam deles? Temos um abaixo assinado de pelo menos 3 mil que discordam em gênero, número e grau. Então, essas pessoas não nos representam. Eles podem dizer, o Procure Saber representa 30 artistas, vamos discutir. Queremos entrar na discussão. Temos a esmagadora maioria que não está de acordo. A gente não quer esse tipo de lei, tem todo direito de estar indignado com esse tipo de atitude. Que é uma coisa de moleque. Querer, botar a toque de caixa, ir ao Congresso Nacional, colocar o Roberto Carlos a tiracolo, e ficar tirando foto com a Dilma Rousseff e com o Renan Calheiros. Isso é uma falta de vergonha na cara, é o fim da picada.”
O cantor Frejat também falou na audiência pública e defendeu a nova lei. Para ele, o texto organiza o direito autoral no Brasil.
“Não existe nenhum risco de o Estado estar intervindo no direito autoral. Ele só está ali para vigiar para que excessos não sejam cometidos. Excessos esses que vem sendo cometidos desde que o Ecad ficou sem regulamentação. Ou seja, de 23 anos para cá, o Ecad se transformou num grande monstro arrecadador, numa sanha de arrecadação, que não está satisfazendo os dois pontos principais da cadeia do direito autoral, que é o autor, que está insatisfeito porque acha que recebe pouco, e o usuário, que acha que paga muito. Então, os dois lados principais não estão satisfeitos e essa lei vem justamente para tentar melhorar”, destacou.
O vocalista da banda Barão Vermelho, Frejat, participa de audiência pública no STF sobre direitos autorais
No intervalo da audiência, ao ser questionado sobre o motivo de Frejat apoiar a nova lei, o cantor Lobão disse “pergunte a ele”.
Ao saber que Frejat considerava que ele, Lobão, era contra porque estava desinformado, o músico afirmou: “Mas ele não me deu a informação. Na verdade, eles se reuniram na casa de alguém, e ele, como pessoa próxima, custava dizer? Ele, que participou comigo da numeração de CDs, ele me substituiu por exigência das gravadoras que não queriam negociar comigo, virou meu amigo, colega, companheiro. Bastava me telefonar, pelo menos ele. Agora, achar que estou desinformado? E se estou, estou reclamando porque estou desinformado. Porque não fui informado devidamente pelo grupo deles. Dizer que estou boiando? Estou irado porque cometeram a molecagem de não me comunicar absolutamente nada.”
Frejat não quis comentar as declarações de Lobão.
Contra a nova lei
A superintendente do Ecad, Glória Braga, afirmou durante o debate que a Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou o escritório e deu origem à lei tinha como objetivo “demonizar” a gestão coletiva de direitos. “É importante salientar que as associações são mandatárias dos titulares, praticando em nome deles a gestão do direito patrimonial sobre suas criações”, disse.
O maestro Luis Cobos, presidente da Federação Ibero-latinoamericana de Artistas, Intérpretes e Executantes, a nova lei não pode ferir a privacidade dos artistas. “A pronta disposição desses dados ao público será um perigo para os criadores e os gestores do Brasil e para os países do entorno.” Segundo ele, a nova Lei de Direitos Autorais brasileira é objeto de preocupação na comunidade criativa internacional.
A favor da nova lei
Representante do Ministério da Cultura na audiência, o diretor de direitos intelectuais da Secretaria Executiva do ministério, Marcos Alves de Souza, defendeu a nova lei. “É o Estado quem tem condições de avaliar se as associações têm condições de funcionar e gerir direitos de terceiros. A chancela do Estado dá segurança jurídica a quem cobra e a quem é cobrado.”
A cantora Paula Lavigne também defendeu, durante a audiência, as mudanças na lei.
Fonte: G1
Nota do Editor do Blog:
Sou músico desde os 8 anos de idade, e exerço a música como profissão desde os 16 anos, tocando em bares, em festas, gravando, produzindo, sonorizando, ensinando etc. Também sou compositor, produtor musical e produtor fonográfico, devidamente cadastrado e associado à ABRAMUS (Associação Brasileira de Música e Artes), entidade filiada ao ECAD, que tem por função cuidar dos interesses dos artistas em relação aos direitos autorais provenientes de suas obras.
Ainda não pude analisar a lei em questão para emitir um juízo de valor seguro sobre a constitucionalidade dela, bem como sobre sua legitimidade. Mas posso testemunhar que o ECAD é uma entidade sem nenhuma transparência, que não representa de maneira alguma os interesses dos músicos e demais artistas, que funciona quase à margem da lei, com acordos e contratos sombrios e obtusos, formas de arrecadação e distribuição de direitos autorais que não fazem o menor sentido, e que invariavelmente não permitem acesso a qualquer tipo de fiscalização ou cobrança por parte dos artistas.
Por um lado, a entidade sempre está presente cobrando o pagamento de direitos autorais pela utilização de obras artísiticas em todos os lugares possíveis e imaginários, em bares, televisões, rádios, shows, casamentos e até em festinhas de fundo de quintal. Por outro, a forma com que é feita essa cobrança (quase sempre abusiva e arbitrária, diga-se de passagem) não garante de nenhuma maneira que o autor da obra executada vá receber depois por sua execução. Não garante nem ao menos que o autor saiba que sua obra foi executada. Usam métodos absurdos de amostragem, que não fazem o menor sentido e não garantem nenhum direito individual dos autores.
Ou seja, o ECAD só funciona para cobrar, e muito. Para repassar tais valores aos devidos donos, não funciona. Eu mesmo praticamente nunca recebi direitos autorais de minhas obras, que já foram utilizadas inclusive em programas de televisão de alcance nacional, sem que eu sequer tenha sido comunicado disso. Por sorte presenciei às transmissões.
Se o ECAD arrecada tanto e não repassa aos autores, para onde vai tanto dinheiro? O ECAD já foi objeto de CPI no Congresso, e o caso deu em pizza. Trata-se de uma entidade sem legitimidade, sem representatividade democrática, imposta pelo governo na época da ditadura para tolher a arte no país. Para manter o controle sobre a produção intelectual e artística.
Acrescento ainda, para a reflexão acerca deste assunto, que os direitos autorais tem, como toda a propriedade em nosso país, uma função social. Trata-se de incentivo para que se crie na sociedade. Para que esta evolua. Não se trata de direito meramente individual. Tanto é que tem prazo para ser gozado, findo o qual a obra passa para o domínio público. Ou seja, é sim matéria de interesse público, e não privado, como alguns possam pensar. A sociedade deve estar presente neste debate.
Não se pode, entretanto, é ignorar o risco de uma nova ditadura intelectual e artística por parte de um governo que dá a todo instante sinais de totalitarismo.
Um governo que a todo instante demonstra, cada vez mais sem nenhum escrúpulo, que seu verdadeiro objetivo é sufocar e extinguir qualquer forma de oposição democrática.
Como o Ministro Fux disse, trata-se de julgamento complexo. vamos ver no que vai dar…
*Edson José Travassos Vidigal é advogado membro da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB-DF, professor universitário de Direito e Filosofia, músico e escritor. Especialista em Direito Eleitoral e Filosofia Política, foi servidor concursado do TSE por 19 anos. Blogueiro do Jornal Pequeno, assina a coluna “A Cidade Não Para” no mesmo jornal, às segundas-feira, tratando de assuntos relacionados à política e à cidadania, com arte, indignação e verdade.