No coração das Matas dos Cocais, no Estado do Maranhão, vive Dona Lourdes, uma pequena agricultora do quilombo Pedra, onde o tempo anda devagar. Ela planta o que come, dança o que sente e reza para manter de pé o que o mundo tenta tombar. Caminha descalça sobre a serrapilheira e o barro molhado. Carrega no rosto as rugas da mata e, nos olhos, o reflexo do rio Itapecuru e de seus afluentes. Fala pouco, mas, quando conta, fala com a alma e entusiasmo. Diz que a palmeira de babaçu já não frutifica no mesmo tempo e que não está sendo fácil coletar seus frutos para o sustento da família, devido à derrubada causada pelo agronegócio empresarial e pela pecuária. Conta que o canto das aves e dos pássaros silvestres mudou de lugar e que há noites em que a mata sonha agitada e receosa, como se temesse o dia seguinte.
Dona Lourdes não estudou em universidade alguma, mas conhece cada planta que cura e cada bicho que avisa quando o perigo se aproxima, e a “cigarra” que canta ao anoitecer. Ensinaram-lhe que o arco-íris era o indicador de que a chuva estava por vir, a escutar o tambor da chuva nas folhas, a ler os sinais das formigas e a entender que as palmeiras de babaçu não se exploram — cuidam-se e preservam-se. Sua comunidade já foi ameaçada por grileiros e madeireiros, ignorada pelas autoridades e atingida por promessas que nunca chegaram, nem de barco, nem a pé.Mas ainda está ali com sua família. Porque resistir, para os guardiões da terra, é um ato diário, sagrado e de sobrevivência. Resistir é plantar mesmo quando se sabe que os tratores, as motosserras e as armas dos jagunços rondam a comunidade. Todos eles, invisíveis aos olhos do poder das autoridades públicas, são colunas de um mundo que ainda respira. E é na invisibilidade que tecem sua força e coragem. Porque o que não se vê, às vezes, é o que mais sustenta. Cantar ao redor da fogueira mesmo quando o céu parece pesar. É viver onde o materialismo e o “progresso” desordenado só veem os recursos naturais das florestas como produtos manufaturados. Que a luta desses povos originários não seja lembrada apenas em dias de tragédia, mas ouvida enquanto ainda há tempo de replantar o que foi arrancado de maneira truculenta pelo capitalismo selvagem.
Por José Carlos Aroucha
Professor Ambientalista, pesquisador e escritor