Todo 29 de junho, Bacabal se enfeita com fé. O dia amanhece com cheiro de rio, flor e promessa. É São Pedro quem chama, e ninguém ousa faltar.
Lá na Trizidela, ou na rua do Cajueiro, todos despertam com passos apressados, panelas batendo, roupa de missa sendo passada com ferro antigo e orações murmuradas entre os dentes. Dona Candinha, viúva de pescador, de véu branco e olhar firme, é a primeira a chegar na Igreja Mãe Rainha. Carrega nos braços o terço de contas grandes e no peito, a esperança de que São Pedro traga peixe e paz para o Mearim.
— Hoje ele vem bonito, viu? — diz a velha, ajeitando as flores do andor.
E vem mesmo. Entre as mãos devotas das mulheres dos pescadores, o santo é levantado como se fosse de carne e osso. Florido, enfeitado, respeitado. À frente, Padre Lauro, com sua batina branca e vermelha, suada de sol e fé, guia os passos do povo que canta. A Banda Santa Cecília, patrimônio de sons e memórias, entoa os louvores como se acordassem anjos escondidos nos telhados simples dos casebres e nos portões dourados das casas mais ricas da beira-rio.
Seu Zé Pequeno, pescador desde menino, caminha descalço atrás do andor. Diz que ali não precisa de sapato, porque o chão já é sagrado. Ele leva na mão uma rede enrolada, como quem leva também suas preces.
— Pedro entende da vida da gente, minha filha. Ele foi pescador igual eu. A diferença é que pescou alma. Eu só tento pegar peixe mesmo...
Quando chegam à beira do Mearim, o silêncio é de respeito. O santo agora vai pro barco. É o momento mais bonito. As flores se multiplicam, as fitas dançam com o vento, e o povo chora. São Pedro sobe na embarcação como quem entra no altar de um templo flutuante. As canoas, lanchas, rabetas — todas enfeitadas como em dia de casamento — seguem atrás em procissão aquática. A água balança devagar, como se o rio também rezasse.
Dona Candinha se benze três vezes:
— Quem tem fé não afunda.
E ninguém afunda mesmo. Porque ali navega um povo inteiro, movido a devoção e esperança. Crianças acenam das margens, velhos observam com olhos cheios de passado e saudade. A ponte metálica enche de gente para ver a procissão. Alguns pescadores soltam fogos, outros tocam buzinas, mas ninguém perde o rumo. É Pedro quem guia.
A procissão termina na praça do bairro, onde a Santa Missa é celebrada com toda solenidade que cabe no coração de uma cidade. As velas ainda ardem, os cânticos continuam, e São Pedro repousa entre flores e promessas renovadas.
Naquela noite, Dona Candinha dorme em paz. Seu Zé Pequeno também. E o Rio Mearim segue correndo manso, como se tivesse recebido a bênção de um santo que conhece cada dor do povo das águas.
Porque no fundo, a Procissão de São Pedro é mais que festa. É oração que anda. Que rema. Que navega com fé...
José Casanova
Professor, Jornalista e Escritor membro da
Academia Bacabalense de Letras
Academia Mundial de Letras da Humanidade
Tutor da Academia Marahense de Letras Infantojuvenil