Na Terra da Bacaba, onde o vento sopra o cheiro doce das mangueiras e as noites de São João são pintadas com fogueiras e tambores, a cidade se vestia de festa. Era tempo de Bumba Meu Boi, de sotaques entrelaçados, de bailados que misturam chão e céu, suor e poesia.
Na praça, o Boi Barrica se preparava para o seu encantamento. As indumentárias reluziam como se fossem feitas de pedaços de estrelas caídas. O vermelho e o dourado se casavam nos bordados, enquanto as penas tremulavam com a brisa carregada de cheiro de mingau de milho e arroz doce.
Eis que ele apareceu: o Vaqueiro Campeador do Boi Curupira, homem de bravura antiga, olhos atentos e coração aceso feito fogueira. Vinha montado no compasso dos maracás, guiado pela curiosidade e pelo som quente dos pandeirões. Trazia no peito o fascínio que só os vaqueiros experimentam quando seguem rastros invisíveis.
Foi quando a viu. Ela dançava entre as fitas e as cores, leve como o voo de um Martim Pescador sobre as águas do Mearim. Era Índia do Boi Barrica, filha das matas e dos sonhos, bailando com os pés descalços sobre o tempo, dona de um sorriso que amansava até os bois mais rebeldes.
O vaqueiro, sem perceber, começou a falar, como quem confessa ao vento:
— Índia, o que é esse fogo que carrego desde que te vi? É feitiço? É ladainha das águas?
Ela rodopiou, aproximou-se com a graça de quem sabe o poder que tem, e respondeu entre um passo e outro:
— Não é feitiço, vaqueiro. É o canto da terra. É o Boi que nos chama, que nos junta, que nos faz dançar por dentro.
— Mas tu és do Barrica e eu do Curupira. O que dizem os tambores de nossos bois quando se cruzam olhares assim?
— Os bois, vaqueiro, sabem das paixões antigas. Sabem que há encontros que nem a toada consegue impedir.
E dançaram. O Vaqueiro e a Índia, sob o som dos pandeirões e das matracas que falavam mais que palavras. Os brincantes, com suas fantasias bordadas de brilho e suor, abriram caminho como se soubessem que ali se costurava uma história rara.
Papete, com seu tambor que sabe falar com o coração, parecia reger aquele momento sem saber. Ele, que tantas vezes cantou as águas do Mearim, sorriria se visse. As águas, generosas, corriam contando segredos, embalando o compasso dos dois apaixonados.
Do outro lado da praça, Zé Pereira Godão, o mestre do bom senso e das troças, acenava, rindo com os olhos. Sabia que o São João é terra de encontros improváveis, e que os amores que nascem nos bailados dos bois carregam a bênção da cultura e a sabedoria do povo.
Os músicos, com seus instrumentos coloridos de som, e os coreógrafos, tecedores invisíveis dos passos, mantinham o ritmo enquanto a poesia acontecia sem versos escritos, só no compasso dos corpos.
O vaqueiro, tomado pela coragem das paixões de junho, se aproximou mais e disse:
— E se eu mudar meu passo? Se eu deixar o Curupira e seguir o Barrica, seguir teu rastro?
Ela sorriu, menina e deusa, e respondeu:
— Não é preciso mudar de Boi. Só precisa dançar comigo, vaqueiro. Os Bois sabem se encontrar, como as águas que se cruzam nos igarapés.
E ali ficaram, dançando, como quem entende que no São João da Terra da Bacaba, o amor também tem sotaque, também usa fita colorida e também se curva ao som do tambor.
A noite seguiu, e o povo cantou, brincou, amou. Porque entre o bailado dos brincantes e o bom senso dos mestres, entre Papete e as águas do Mearim, o que se guarda mesmo é o fascínio dos encontros que só o Bumba Meu Boi sabe costurar.
José Casanova
Professor, Jornalista e Escritor
Membro da Academia Bacabalense de Letras
Academia Mundial de Letras da Humanidade
Tutor da Academia Maranhense de Letras Infantojuvenil











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