O bumba meu boi do Maranhão é o mais novo Patrimônio Cultural do Brasil. O registro foi aprovado pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural nesta terça-feira (30), durante reunião na sede do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em Brasília. A reunião foi acompanhada pela governadora Roseana Sarney, no Salão de Atos do Palácio dos Leões, em São Luís, por meio de teleconferência, que contou com a participação de cantadores de boi, pesquisadores da cultura, produtores culturais, secretários de Estado e integrantes dessa festa tradicional maranhense que reúne várias manifestações culturais tendo o boi como centro do universo místico-religioso.
“Trinta de agosto é a partir de hoje o dia do Maranhão e o dia do boi do Brasil. Esse título engrandece o nosso Estado e nos dá a certeza de que nossa cultura tem se elevado aos maiores patamares. A partir desse reconhecimento a expressão maior da nossa cultura ganha força nacional com raízes definitivas em nosso solo”, ressaltou a governadora Roseana Sarney, em tom de felicidade.
De Jesus/ O Estado
Roseana Sarney destacou, ainda, que o patrimônio do Maranhão agora passa a ser também patrimônio cultural do Brasil. “Essa é uma vitória de todos os maranhenses, principalmente dos que fazem parte dessa festa que é o bumba meu boi”. Participaram da solenidade, o vice-governador Washington Luiz Oliveira, os secretários de Estado, Luís Fernando Silva (Casa Civil), Max Barros (Infraestrutura) e Sérgio Macedo (Comunicação Social), além dos amos de boi Humberto do Maracanã, João Chiador, Francisco Naiva, Chagas da Maioba, José Carlos Lobato, José Alberto, entre outros.
A ministra da Cultura, Ana de Hollanda, presente na reunião em Brasília, foi quem anunciou o resultado da votação e disse que, como admiradora da cultura maranhense, estava muito feliz com o título dado à expressão do folclore do Estado. “Pelo que foi destacado aqui está é uma manifestação única e parabenizo pelo trabalho brilhante apresentado”, destacou a ministra.
O projeto apresentado ao conselho teve como relator Luiz Phelipe Andrés, conselheiro Integrante da Câmara Imaterial. O trabalho apresentado pela comissão maranhense foi elogiado pelo presidente do Iphan, Luiz Fernando de Almeida. O secretário de Estado de Cultura, Luis Bulcão; a superintendente do Iphan-MA, Katia Bogéa, também participaram da reunião do conselho, em Brasília.
A pesquisadora e folclorista Zelinda Lima acompanhou a votação ao lado da governadora Roseana Sarney e declarou ser esse é um momento de grande alegria para a cultura maranhense. Ela se lembrou do início da história do bumba meu boi e dos tempos em que havia discriminação aos integrantes.
O presidente da Liga Independente de Bumba Meu Boi, José Lobato, amo do Boi de Morros, disse que essa é uma grande vitória para a cultura do Estado. “A gente sabe que um povo sem cultura e sem história não existe e esse título é um reconhecimento dessa festa maranhense e que será ainda mais perpetuada para as futuras gerações”, disse.
A pesquisadora Ester Marques observou que o registro é o primeiro momento para que se possa parar e discutir os sotaques de bumba meu boi que se tem hoje. “Há uma grande discussão em todos os níveis porque tantas transformações e mudanças no bumba meu boi, mas nunca tivemos um fórum onde a gente pudesse discutir o que realmente está acontecendo. Então, o registro é o primeiro momento para a gente organizar uma comissão de salvaguarda do boi”, destacou.
A proposta foi apresentada ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) pela Comissão Interinstitucional de Trabalho no ano de 2008.
A comissão é composta pela Superintendência Regional do Iphan e atual Superintendência do Iphan no Maranhão, Secretaria de Estado de Cultura, Fundação Municipal de Cultural, Comissão Maranhense de Folclore, Grupo de Pesquisa Religião e Cultura Popular da UFMA, representantes dos Grupos de Bumba meu boi dos Sotaques da Baixada, Matraca, Zabumba, Costa de mão, Orquestra e de Bois Alternativos.
O Conselho Consultivo
O Conselho que avaliou os processos de tombamento e registro de bens do patrimônio cultural brasileiro é presidido pelo presidente do Iphan, Luiz Fernando de Almeida, e formado por especialistas de diversas áreas, como cultura, turismo, arquitetura e arqueologia. Ao todo, são 22 conselheiros de instituições como Ministério do Turismo, Instituto dos Arquitetos do Brasil, Sociedade de Arqueologia Brasileira, Ministério da Educação, Sociedade Brasileira de Antropologia e Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e da sociedade civil.
Agora, assim como o tambor de crioula, o bumba meu boi passa a ser reconhecido nacionalmente como uma manifestação da cultura popular maranhense que faz parte da identidade de todos os brasileiros.
Foto: Biman Prado/ O Estado
Bumba meu boi do Maranhão
O boi, segundo o dossiê descritivo do DPI/Iphan, já era objeto de culto em diversas sociedades do mundo desde a pré-história.
Em algumas grandes festas populares do Brasil, a figura do boi é o elemento central, sendo que essas festas do boi ocorrem em todas as regiões. São brincadeiras como o bumba meu boi, boi bumbá, Boi Surubi, Boi Calemba, Boi Pintadinho, Boi Barroso, Boi Jaraguá, Boi de Canastra, Boi de Reis, Reis de Boi, entre outros.
Em relação ao bumba meu boi do Maranhão, uma das diferenças é o momento do ano em que as festas acontecem. Em geral, no Norte do país, as festas ocorrem durante o chamado Ciclo Junino, assim como o bumba meu boi do Maranhão. Já nos outros estados do Nordeste, os festejos se concentram próximo do Natal.
A festa comporta diversos estilos de brincar - chamados de sotaques - praticados por homens e mulheres, de diferentes classes sociais e que atuam profissionalmente como estivadores, pescadores, trabalhadores rurais e pequenos comerciantes.
De um modo geral, o auto do bumba-meu-boi é apresentado como a morte e a ressurreição de um boi especial.
As apresentações cômicas são feitas com grande participação do público e são entremeadas por toadas curtas contando a história sobre um boi precioso e querido pelo seu amo e pelos vaqueiros. Pai Francisco, o escravo de confiança do patrão, mata e arranca a língua do boi para satisfazer os desejos de grávida de sua esposa, Mãe Catirina. O crime de Pai Francisco é descoberto e por isso ele é perseguido pelos vaqueiros da fazenda, caboclos guerreiros e os índios.
Quando preso, são infligidos terríveis castigos e, para não morrer, Pai Francisco se vê forçado a ressuscitar o animal. É quando o doutor entra em cena para ajudar a trazer à vida o boi precioso, que, ao voltar, urra. Todos, então, cantam e dançam em comemoração. Como em muitas festas populares, o bumba meu boi também requer grande dedicação e preparo dos participantes ao longo do ano.
É necessário fabricar as vestimentas e treinar as toadas, entre outras atividades que, em geral, se concentram no fim do primeiro semestre e no início do segundo semestre. Os festejos podem ser divididos em quatro etapas: os ensaios, o batismo, as apresentações e a morte do boi.
Os ensaios começam no Sábado de Aleluia e seguem até a primeira quinzena de junho. Na véspera do Dia de São João, em 23 de junho, as rezadeiras fazem o batismo do boi que é acompanhado pelos participantes na sede dos grupos, nas Igrejas católicas ou em casas de culto afrobrasileiro. Esse é o momento de purificação do novilho, quando São João dá permissão para o boi brincar.
A partir daí começam as apresentações que se concentram no fim do mês de junho e vão até o dia de Sant’Ana, em 26 de julho.
Em São Luís, por exemplo, ocorrem em arraiais financiados pelo governo estadual e municipal, nas casas ou em arraiais de instituições. Existem dois grandes eventos que marcam a etapa de apresentações na cidade de São Luís: a alvorada na Capela de São Pedro, no bairro de Madre Deus, no dia 29 de junho, e o desfile da Avenida São Marçal, no bairro de João Paulo, no dia 30 de junho. Com o fim do ciclo festivo, os grupos começam a programar a morte do boi, um momento para encenação política, pois o tamanho da festa é diretamente proporcional ao prestígio daquele boi e do seu grupo na cidade.
A festa da morte, quando o boi retorna para São João, pode durar de dois a sete dias e envolve um elaborado ritual com ornamentos, toadas e encenação.
O universo místico-religioso e social da festa maranhenseDurante a realização do Inventário Nacional de Referência Cultural – INRC sobre o bumba meu boi do Maranhão, os técnicos do DPI/Iphan destacaram que a festa possui profundas relações com as esferas religiosas da vida através do catolicismo popular e das religiões afrobrasileiras e também se associa às expressões lúdicas.
Os participantes fazem o boi para pagar promessa ou como oferenda a entidades espirituais, por exemplo, como existem também aqueles que querem apenas fazer a sua apresentação. Desta forma, o bumba meu boi do Maranhão está presente em muitas dimensões da vida social dos participantes, tanto que existem regiões no estado onde os grupos fazem visitas às covas de cemitério para saudar os mortos, reforçando a relação que o ciclo festivo estabelece com o ciclo vital, com a vida e morte de bois e homens.
Saiba mais
Patrimônio cultural imaterial (ou patrimônio cultural intangível) é uma concepção de patrimônio cultural que abrange as expressões culturais e as tradições que um grupo de indivíduos preserva em respeito da sua ancestralidade, para as gerações futuras. São exemplos de patrimônio imaterial: os saberes, os modos de fazer, as formas de expressão, celebrações, as festas e danças populares, lendas, músicas, costumes e outras tradições.
*Com informações da Secom do Estado.