DÉBORA MISMETTI
EDITORA DE 'CIÊNCIA+SAÚDE'
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Um conjunto de 13 artigos científicos assinados por pesquisadores de mais de 160 grupos espalhados pelo mundo apresenta uma análise em larga escala de alterações genéticas ligadas ao câncer.
O resultado é a descoberta de mais de 70 novas alterações em regiões do genoma cuja presença indica uma probabilidade maior de desenvolver tumores de próstata, mama e ovário.
Além de ajudar a desvendar como essas 'trocas de letras' do DNA contribuem para o aparecimento da doença, o objetivo do trabalho é mudar a forma como o câncer é rastreado na população, personalizando a indicação de exames que procuram sinais precoces da doença, como mamografias.
Hoje já se sabe que 30% dos cânceres têm um componente hereditário. Quando os médicos suspeitam, pelo histórico familiar, por exemplo, que uma pessoa carrega uma predisposição ao câncer, é possível realizar testes genéticos para confirmar isso e tomar precauções.
EXAMES – Já há no mercado, na rede privada e em centros de pesquisa também de instituições públicas, testes que procuram no genoma dos pacientes essas alterações nas 'letras químicas' que indicam doenças. No entanto, eles só buscam um pequeno número de mudanças bem conhecidas e associadas ao risco.
Entre elas estão as alterações nos genes BRCA1 e BRCA2, fortemente ligadas a câncer de mama e ovários.
Segundo José Cláudio Casali, oncogeneticista do Hospital Erasto Gaertner e professor da PUC do Paraná, em 70% dos casos de câncer de mama em que há suspeita de componente hereditário não se consegue achar a mutação associada.
O conhecimento de mais indicadores deve reduzir essa incerteza. Com um resultado em mãos, o paciente pode tomar precauções.
'Não é porque está escrito no DNA que o câncer está no seu destino', diz Casali.
Entre as possíveis providências estão o uso de remédios para prevenir um tumor, cirurgias, como a retirada de ovários ou mama, o aumento de frequência de exames de detecção precoce e mudanças no estilo de vida.
'Hoje já está estabelecido o conceito de tratamento personalizado para o câncer, mas fala-se pouco em prevenção personalizada', completa Casali.
As alterações genéticas mais procuradas nos testes disponíveis hoje na rede privada de saúde são raras.
O que os pesquisadores estavam procurando eram trocas de letras mais comuns na população. Isoladamente, cada uma indica um risco só um pouco aumentado.
Em conjunto, segundo uma das pesquisas, assinada por Douglas Easton, da Universidade de Cambridge, e colegas, as alterações colocam 1% das mulheres com um risco até quatro vezes maior de ter câncer de mama do que a população em geral.
Em um futuro próximo, essas informações podem melhorar a programação de mamografias e exames de próstata periódicos, por exemplo, de acordo com o perfil de risco de cada um.
'Mesmo com o rastreamento, hoje você pode, por um lado, deixar casos passarem e, por outro, fazer exames em excesso', afirmou Vilma Regina Martins, diretora do Centro Internacional de Pesquisa do Hospital A.C. Camargo.
MELHORES TRATAMENTOS NO FUTURO – Além de melhorar o diagnóstico, os resultados obtidos nessa força-tarefa científica podem ampliar as opções de tratamento disponíveis, dizem pesquisadores evolvidos nos trabalhos.
Houtan Noushmehr, inglês criado nos EUA que é professor do departamento de genética da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto e integrante de um dos grupos de trabalho desse esforço internacional, afirma que foram procuradas regiões que, por exemplo, ativam ou silenciam outros genes.
O conhecimento sobre as funções desses pedaços do DNA pode vir a ajudar a criação de novos tratamentos, mas ainda serão necessários mais estudos para isso.
Para o corpo funcionar bem, as bases que compõem o DNA (identificadas pelas letras A, G, C e T) precisam estar em uma 'ordem correta'. Mas, não raro, há erros de 'ortografia'. Alguns afetam coisas muito pequenas, mas outros significam uma probabilidade maior de doenças.
Antes de começar essa pesquisa, os cientistas já tinham disponível, por meio de trabalhos anteriores, um conjunto de mais de 200 mil 'trocas de letras' do DNA suspeitas de ligação com o câncer.
Essas alterações foram colocadas em um chip, usado para avaliar pedaços de DNA de 100 mil pessoas com tumores de próstata, mama e ovário e 100 mil saudáveis.
Um dos problemas do novo estudo é que a maioria das amostras vem da população da Europa e da América do Norte, por isso é difícil saber o quanto os resultados podem ser extrapolados para outras regiões do mundo.
Noushmehr diz que um de seus objetivos é integrar o Brasil nessa colaboração, incluindo amostras de DNA de pacientes daqui em suas futuras análises, que se concentraram no tumor de ovário. 'Também quero treinar pessoal daqui do laboratório para integrar o projeto', diz ele.
O resultado dos trabalhos está nas revistas 'Nature Genetics','Nature Communications', 'American Journal of Human Genetics', 'Human Molecular Genetics', 'PLoS Genetics' e em www.nature.com/icogs.
(Folha de S. Paulo)