domingo, 25 de fevereiro de 2024

CRÔNICA DO DIA : Anseios de um catador de latinhas

 

Nas ruas fervilhantes de Salvador, segundo a sabedoria popular; atrás do trio elétrico, só não vai quem já morreu.  Tão invisível quanto quem já morreu, atrás do Trio elétrico segue Fernando com seu corpo naturalmente malhado, cabelos encaracolados e olhar curioso, o catador de latinhas, busca em meio a multidão fragmentos de uma vida melhor. Enquanto os foliões pulam ao som do axé, ele caminha com seu carrinho, recolhendo latinhas e observando a festa com olhos críticos.

Fernando sempre foi um observador atento do Carnaval. Para ele, a festa representa muito mais do que música e dança. É um retrato da sociedade, onde a alegria e o consumo contrastam com a realidade de muitos. A ideia que passa é que na Bahia não há tristeza. Ledo engano. A alegria fantasiosa do carnaval não passa de uma máscara social.

Enquanto separa as latinhas, Fernando reflete sobre a origem do trio elétrico, criado por Dodô e Osmar nos anos 50. Ele sabe que por trás da festa há uma complexa cadeia produtiva: músicos, artistas, técnicos, bares, malharias restaurantes e vendedores ambulantes que dependem do Carnaval para sobreviver.  A  festa considerada pagã, parece perder público, muitas pessoas optam por eventos mais afastado e menos barulhentos.

No entanto, apesar de ser fundamental para sua vida, Fernando não consegue evitar questionar o valor que a sociedade dá a essa festa em comparação a outras questões urgentes, como políticas públicas de saúde, educação, saneamento básico, preservação do meio ambiente e do patrimônio histórico das cidades.  Ele se pergunta se todo o dinheiro gasto no Carnaval não poderia ser melhor utilizado em benefício da população.

Enquanto isso, os trios elétricos seguem seu caminho, arrastando multidões e deixando para trás um rastro de sujeira, alegria e diversão. Fernando continua seu trabalho, recolhendo as latinhas e as reflexões que o Carnaval lhe proporciona, na esperança de um futuro onde a festa seja motivo de celebração, mas não a única prioridade.

Por José Casanova
Professor,  Jornalista e Escritor membro da 
Academia Bacabalense de Letras

 

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