No estacionamento movimentado de um supermercado famoso na
Terra da Bacaba, onde as cores e os sons dos atabaques africanos da cidade se
misturam, um episódio revelador de nossa realidade se desenrola, como um
retrato em negativo de nossa sociedade. Uma professora universitária, negra,
chamada Núbia Reis, aguarda pacientemente ao lado de seu carro. Seus
pensamentos, talvez mergulhados em questões acadêmicas, são interrompidos por
uma voz estridente.
Uma mulher branca, de aparência distinta, se aproxima. Tem
todos os traços físicos de uma cigana, talvez com “olhar obliquo e
dissimulado”, imortalizada na obra de Machado de Assis. Seus gestos carregam a
certeza de quem nunca foi questionado. Ela insiste que a professora cobre
panelas, que poderia cobrar no cartão de crédito. A professora, educada e
firme, explica que não poderia comprar no momento, apenas aguardava sair no seu
carro.
A mulher branca não aceita a resposta. Sua insistência se
transforma em agressão verbal. Ela chama a professora de "negra", com
um tom pejorativo que carrega séculos de discriminação. Ela a chama de
"fedida", numa tentativa vil de associar a negritude a algo sujo e
indesejável. E, por fim, ela a chama de "macaca", utilizando o termo
racista mais grotesco, herança de uma época em que os negros eram tratados como
animais.
O que sente uma pessoa vítima de racismo? Só que sofre na pele e no coração o sabe. Núbia é de fato uma bela
mulher negra e empoderada, representa muito bem as mulheres quilombolas de São
Sebastião dos Pretos, Piratininga, Catucá
e tantas outras comunidades remanentes de quilombo reconhecidas ou
não neste país. Núbia traz na veias o sangue
de Dandara, a força de Zumbi dos Palmares, a energia do tambor de crioula de
dona Maria de Geraldo, patrimônio
imaterial de nossa cultura, que rufa na
madrugada espetando o mal olhado do preconceito e da ignorância.
Esse episódio, embora lamentável, não é isolado. Ele se
repete pelas ruas do Brasil a fora. É o reflexo do racismo estrutural que
permeia nossa sociedade nas escolas, repartições públicas e privadas e até nas
instituições que deveriam promover nossa proteção e garantir nossos direitos. Um racismo que se
disfarça em pequenas atitudes do cotidiano, mas que tem raízes profundas em
nossa história.
No Brasil, um país construído sobre as costas dos ancestrais
escravizados, o racismo se manifesta de diversas formas. As comunidades
quilombolas , que lutam pela preservação de sua cultura e identidade, muitas
vezes são em sua maioria marginalizadas e esquecidas. Ele está presente na
educação, onde o racismo estrutural se manifesta na falta de representatividade
e nas barreiras enfrentadas pelos estudantes negros. É urgente e necessário a
formação de professores antirracistas para desmitificar a tez da educação.
O racismo também se faz presente no futebol, nas artes, nas
relações de trabalho, e, de forma ainda mais cruel, na violência contra a
mulher negra. Mulheres como Núbia que são vítimas de um sistema que as coloca
em uma posição de vulnerabilidade, onde sua cor de pele as torna alvo de
preconceito e discriminação.
Diante desse cenário, iniciativas como a União de Negras e
Negros pela Igualdade (Unegro) se tornam ainda mais importantes. Essa entidade
luta incansavelmente contra o racismo, buscando promover a igualdade e a
justiça social. Equidade de oportunidade
para todos através de políticas publicas que garantam os direitos humanos e
fortaleçam a democracia é fundamental na construção de uma nação livre,
igualitária e soberana.
As consequências do racismo são devastadoras. Ele gera
traumas, perpetua desigualdades e limita o potencial de toda uma população. Por
isso, é fundamental que cada um de nós se engaje nessa luta. Precisamos
reconhecer nossos privilégios, combater os estereótipos e construir uma
sociedade mais justa e inclusiva para todos. Enquanto perdurar o preconceito,
não podemos falar em consciência humana, mas fortalecer a consciência negra independente
do percentual de melanina que temos em nossos corpos
Quanto a professora Núbia, agora mais do que nunca, precisa
de nossa solidariedade e apoio, a mulher branca que a agrediu verbalmente
precisa de educação, empatia e consciência de seus próprios preconceitos. Pois
só assim poderemos, juntos, desconstruir as estruturas do racismo e construir
um futuro onde a cor da pele não defina o valor de uma pessoa.
Ubuntu!
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