Era uma tarde quente em Bacabal do Maranhão, os termômetros
marcavam quase quarenta graus na Escola Paulo Freire, onde a professora Ana,
uma verdadeira entusiasta da educação inclusiva, mergulhava nas águas
desafiadoras da alfabetização de adultos e idosos. Sua sala de aula era um
microcosmo de histórias não contadas, de vidas que buscavam desesperadamente o
domínio das letras.
Naquele dia Professora Ana , escolhera trabalhar em círculo
com a Turma, formada por doze alunos, a maioria idosos. No centro da sala,
estava Mestre Chico, um respeitável homem negro de 70 anos, depois que começou
a estudar, descobrira que tinha o pé na senzala, era neto de escravo vindos da África,
tinha linhagem Imperial. Conhecido por ser um vibrante cantador de
bumba-meu-boi, no sotaque de zabumba seu Chico brilhava no mês de junho nos
terreiros das brincadeiras de São João. No entanto, entre as rimas e batuques,
jazia a lacuna de não saber ler ou escrever.
A sala de aula estava impregnada com a ansiedade do
aprendizado, mas Ana tinha um plano. Seu método envolvia multiletramentos
culturais, reconhecendo as diferentes formas de expressão presentes na
comunidade. Ela sabia que para Chico e seus colegas, a aprendizagem não poderia
ser limitada a um livro didático pois eles traziam de casa saberes empíricos
que eram confirmados pela ciência na escola.
Naquele dia, os olhos de Chico brilharam ao escrever seu
próprio nome pela primeira vez. "Mestre Chico", murmurou ele, tocando
a folha de papel com reverência, mas ele tinha escrito Francisco Salazar
Ana, ao lado dele,
sorriu com um misto de alegria e emoção contida.
_A leitura é como a melodia de uma canção. - disse ela. _Você, Mestre Chico, agora pode
compreender as notas que compõem a sua própria história.
O diálogo entre a professora e Mestre Chico fluía como uma
conversa entre velhos amigos:i
_Nunca é tarde para aprender. -disse Ana, observando as
letras ganharem vida nas mãos calejadas e experientes de Chico.
Ele, por sua vez, contou histórias não registradas,
descrevendo como o mundo da escrita estava se abrindo diante de seus olhos.
Olhos estes bem protegidos por um Óculos novinho que houvera ganhado num
projeto da secretaria de educação.
_Antes, eu cantava com o coração, mas agora vejo as palavras
dançarem diante de mim. - Afirmou Chico, tocando seu coração e sorrindo.
O coração de Chico agora era outro, batia ao ritmo da zabumba
do seu boi de brincar como couro todo bordado em missangas, canutilho e paitês
que brilhavam sob a luz do luar.
_ Professora, dona Ana! – Chamou Chico no meio aula.
_ Diga seu Chico. –
Respondeu a professora.
_ A senhora tem uma foto do professor Paulo Freire?
_Tenho seu Chico, por que? – Quis saber a professora.
_ Vou mandar minha mulher bordar Paulo Freire no Boi Curupira, e ainda vou fazer uma toada pra ele.
– Concluiu entusiasmo mestre Chico.
À medida que as semanas passavam, a sala de aula se
transformava em um celeiro de descobertas. Outros alunos, também tardiamente
imersos na alfabetização, compartilhavam suas conquistas e desafios superados.
A atmosfera vibrava com a energia do conhecimento recém-adquirido. Como era gratificante
ver o entusiasmo e a evolução daquelas senhoras e senhores de cabelos brancos a
descobrir o mundo de conhecimento a desbravar.
O ápice da jornada chegou no dia em que todos, inclusive a
professora Ana, se emocionaram ao lerem pequenos textos escritos por eles
mesmos. Os rostos enrugados expressavam orgulho, as mãos trêmulas seguravam os
papéis como troféus da superação. Ana no seu íntimo sabia que apesar dos
pesares, estava no caminho certo.
No encerramento desse ano, Ana, ao olhar para sua turma,
sentiu um misto de gratificação e esperança:
_Vocês não apenas aprenderam a ler e escrever, mas também compartilharam suas riquezas culturais conosco. - Disse ela, com lágrimas nos olhos.
A Escola Paulo Freire, através de suas estratégias de
multiletramentos culturais, não apenas ensinou a ler e escrever, mas cultivou a
valorização das diversas formas de expressão presentes na comunidade. Mestre
Chico, finalmente, pôde decifrar as palavras que dançavam em sua mente, agora
não dependia de ninguém para escrever as todas que compunha e a sala de aula
tornou-se um palco de superação, celebrando a aprendizagem em todas as idades.
Parabéns, Casanova. Excelentes texto e contexto do ensinar e aprender. Crônica digna de ser usada em sala de aula como recurso didático - pedagógico.
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