segunda-feira, 3 de março de 2025

CRÔNICA DO DIA - Ainda Estou Aqui: O Cinema Como Defesa da Democracia

É curioso como algumas histórias, mesmo baseadas em fatos reais, carregam o peso da ficção. Ainda Estou Aqui não é apenas um filme, mas um testemunho. Uma obra que, ao mesmo tempo que nos emociona, nos inquieta. Ele nos lembra que o cinema não é só entretenimento — é memória, resistência e denúncia.

O enredo nos transporta para um mundo onde a verdade é distorcida, e a democracia, ameaçada. Inspirado em acontecimentos reais, o filme retrata a repressão e o silenciamento impostos pelo poder sobre aqueles que ousam resistir. Acompanhamos personagens que tentam sobreviver ao apagamento da história, mostrando que a luta por justiça e memória é uma batalha contínua. O filme destaca o assassinato do deputado Rubens Paiva pela ditadura militar. Sua morte simboliza a brutalidade do regime e a tentativa de apagar vozes dissonantes. O roteiro, habilmente construído, inspirado no livro homônimo de autoria do escritor Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens Paiva, nos conduz por um labirinto de emoções: medo, indignação, esperança.

A atuação é um dos pontos altos do filme. Os protagonistas não apenas interpretam seus papéis; eles os incorporam, nos fazendo sentir suas angústias e dilemas. Cada olhar, cada silêncio carrega o peso da história. O realismo das performances nos lembra que não estamos diante de uma película comum, mas de um retrato fiel de acontecimentos que marcaram vidas reais.

Dentre as atuações brilhantes, Fernanda Torres entrega uma performance arrebatadora. Sua presença em cena é magnética, carregada de emoção e profundidade. Com um olhar que diz mais do que palavras e uma interpretação sensível e poderosa, ela se torna o coração do filme. Sua personagem, Eunice Paiva, representa não apenas uma testemunha da história, mas também um símbolo de resistência e memória. É impossível não se arrepiar diante da sua entrega, que nos faz sentir cada dor, cada silêncio e cada luta de sua trajetória.

A direção de Walter Sales é precisa e não se rende ao sensacionalismo. A câmera acompanha os personagens como uma testemunha silenciosa, dando à narrativa um tom quase documental. A cinematografia, acentua a atmosfera de opressão, enquanto a trilha sonora, minimalista e densa, amplifica a tensão. Tudo contribui para uma experiência visceral.

O filme se destaca, sobretudo, pela sua importância política. Em tempos de ascensão do autoritarismo, Ainda Estou Aqui é um lembrete de que a democracia não é um dado adquirido, mas uma construção frágil, que precisa ser defendida constantemente. Ele denuncia os perigos do revisionismo histórico e do apagamento da memória coletiva, reforçando a necessidade de resistirmos à manipulação da verdade.

É um alerta que não devemos flertar com o fascismo e suas facetas contemporâneas.

Ao final, fica a sensação de um soco no estômago. Mas também de um chamado à ação. Porque Ainda Estou Aqui não quer apenas ser assistido — quer ser lembrado, discutido, usado como ferramenta de resistência. O cinema, quando usado como voz dos silenciados, tem o poder de transformar consciências. E esse filme prova isso com maestria. O Brasil é dos brasileiros e o Oscar é da nossa cultura.

Por José Casanova membro da 
Academia Bacabalense de Letras
Academia Mundial de Letras da Humanidade
Tutor da Academia Maranhense de Letras Infantojuvenil

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