No coração
de uma cidade anônima, entre becos ocultos e vielas esquecidas, erguia-se um
edifício peculiar que escapa à atenção do olhar desatento. Não havia grandes
placas indicativas nem sinalizações vibrantes; apenas um portão modesto, quase
imperceptível, guardava a entrada para um lugar extraordinário: o Museu das
Lembranças Esquecidas. Pensei em encontrar ali lembranças do meu passado
apagadas pelo tempo.
Quando me
veio a ideia de escrever esta crônica, pensei no poeta Cazuza e seu museu de
grades novidades. Em sua clássica letra
ele afirmava ver “ o futuro repetir o passado”, o tempo deixa marcas que só ele
mesmo nos faz esquecer.
Ao cruzar o
limiar desse museu singular, os visitantes não eram recepcionados por obras de
arte ou artefatos históricos, mas sim por uma atmosfera de silêncio e
contemplação. O prédio parecia nos penetrar com seus olhos, cheirar nossa alma,
ouvir nossos batimentos cardíacos,
sentir o gosto dos nossos medos, e deixar em nós as marcas de suas digitais.
O ar carregava consigo o peso das memórias
depositadas pelos que ansiavam esquecer. Cada corredor, cada sala, revelava
histórias e sentimentos que alguém desejava apagar do registro do tempo.
O tempo, o próprio,
a segurar sua ampulheta que nunca para de contar o tempo, era o curador desse
museu, criado pela imaginação fértil de um poeta. Caso o tempo fosse algo ou alguém palpável, o trataria
com um deus e oferecia minha vida como oferenda materializada nas memórias que
não quero esquecer.
As paredes
do museu eram testemunhas mudas de dramas pessoais, onde a dualidade entre o
desejo de esquecer e a inevitabilidade das memórias se manifestava. Uma sala,
por exemplo, exibia caixas de cristal contendo fragmentos de paixões que se
desvaneceram com o tempo. Fotografias, cartas antigas e pequenos objetos
revelavam histórias de amores perdidos, mas nunca totalmente esquecidos. O Museu
contava a história de mim mesmo numa terapia no mínimo exótica, como é a minha
vida.
No andar
superior, um corredor sombrio abrigava compartimentos trancados que guardavam
segredos inconfessáveis. Cada fechadura escondia eventos traumáticos que alguém
esperava libertar da própria mente. Contudo, mesmo no Museu das Lembranças
Esquecidas, essas lembranças persistiam como fantasmas sutis, sussurrando
verdades indomáveis.
Cada
visitante vivenciava em sua mente a tortura de suas próprias lembranças. Cada
um de acordo com suas ações na vida. Eu
que busquei em vão a felicidade, para minha surpresa, encontrei ali uma das
alas mais intrigante, dedicada aos momentos de felicidade que, por razões
obscuras, alguém escolhera esquecer. Quadros coloridos e objetos festivos
preenchiam o ambiente, revelando que nem todas as memórias depositadas eram
sombrias. A dualidade se manifestava novamente, sugerindo que o esquecimento,
por vezes, implicava sacrifícios dolorosos.
À medida que
eu e outros os visitantes percorríamos os corredores do museu, nos víamos imersos em uma reflexão profunda sobre a
natureza da memória. Onde reside a fronteira entre lembrar e esquecer? Seria
possível realmente apagar o passado, ou estaríamos fadados a conviver com suas lembranças?
Ao sair do
Museu das Lembranças Esquecidas, os visitantes carregavam consigo não apenas a
imagem de um lugar singular, mas também a compreensão de que as memórias, por
mais que tentemos esquecer, mostram quem somos. E assim, entre a vontade de
esquecer e a inevitabilidade das memórias, a complexidade da experiência humana
se desdobrava, revelando-se como um intrincado quebra-cabeça que só o tempo
poderia decifrar.
Tempo... Tempo...
Tempo... Sobre o que mesmo é esta crônica? Tenho andado muito esquecido
ultimamente...
Professor, Jornalista e escritor da
Academia Bacabalense de Letras
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