terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

CRÔNICA DO DIA: O Museu das Lembranças Esquecidas

 

No coração de uma cidade anônima, entre becos ocultos e vielas esquecidas, erguia-se um edifício peculiar que escapa à atenção do olhar desatento. Não havia grandes placas indicativas nem sinalizações vibrantes; apenas um portão modesto, quase imperceptível, guardava a entrada para um lugar extraordinário: o Museu das Lembranças Esquecidas. Pensei em encontrar ali lembranças do meu passado apagadas pelo tempo.

Quando me veio a ideia de escrever esta crônica, pensei no poeta Cazuza e seu museu de grades novidades.  Em sua clássica letra ele afirmava ver “ o futuro repetir o passado”, o tempo deixa marcas que só ele mesmo nos faz esquecer.

Ao cruzar o limiar desse museu singular, os visitantes não eram recepcionados por obras de arte ou artefatos históricos, mas sim por uma atmosfera de silêncio e contemplação. O prédio parecia nos penetrar com seus olhos, cheirar nossa alma, ouvir nossos  batimentos cardíacos, sentir o gosto dos nossos medos, e deixar em nós as marcas de suas digitais.

 O ar carregava consigo o peso das memórias depositadas pelos que ansiavam esquecer. Cada corredor, cada sala, revelava histórias e sentimentos que alguém desejava apagar do registro do tempo.

O tempo, o próprio, a segurar sua ampulheta que nunca para de contar o tempo, era o curador desse museu, criado pela imaginação fértil de um poeta. Caso o  tempo fosse algo ou alguém palpável, o trataria com um deus e oferecia minha vida como oferenda materializada nas memórias que não quero esquecer.

As paredes do museu eram testemunhas mudas de dramas pessoais, onde a dualidade entre o desejo de esquecer e a inevitabilidade das memórias se manifestava. Uma sala, por exemplo, exibia caixas de cristal contendo fragmentos de paixões que se desvaneceram com o tempo. Fotografias, cartas antigas e pequenos objetos revelavam histórias de amores perdidos, mas nunca totalmente esquecidos. O Museu contava a história de mim mesmo numa terapia no mínimo exótica, como é a minha vida.

No andar superior, um corredor sombrio abrigava compartimentos trancados que guardavam segredos inconfessáveis. Cada fechadura escondia eventos traumáticos que alguém esperava libertar da própria mente. Contudo, mesmo no Museu das Lembranças Esquecidas, essas lembranças persistiam como fantasmas sutis, sussurrando verdades indomáveis.

Cada visitante vivenciava em sua mente a tortura de suas próprias lembranças. Cada um de acordo  com suas ações na vida. Eu que busquei em vão a felicidade, para minha surpresa, encontrei ali uma das alas mais intrigante, dedicada aos momentos de felicidade que, por razões obscuras, alguém escolhera esquecer. Quadros coloridos e objetos festivos preenchiam o ambiente, revelando que nem todas as memórias depositadas eram sombrias. A dualidade se manifestava novamente, sugerindo que o esquecimento, por vezes, implicava sacrifícios dolorosos.

À medida que eu e outros os visitantes percorríamos os corredores do museu, nos víamos  imersos em uma reflexão profunda sobre a natureza da memória. Onde reside a fronteira entre lembrar e esquecer? Seria possível realmente apagar o passado, ou estaríamos fadados a conviver com suas lembranças?

Ao sair do Museu das Lembranças Esquecidas, os visitantes carregavam consigo não apenas a imagem de um lugar singular, mas também a compreensão de que as memórias, por mais que tentemos esquecer, mostram quem somos. E assim, entre a vontade de esquecer e a inevitabilidade das memórias, a complexidade da experiência humana se desdobrava, revelando-se como um intrincado quebra-cabeça que só o tempo poderia decifrar.

Tempo... Tempo... Tempo... Sobre o que mesmo é esta crônica? Tenho andado muito esquecido ultimamente...

Por José Casanova
Professor, Jornalista e escritor da
Academia Bacabalense de Letras

 imagem: Internet

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