quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

CRÔNICA DO DIA: Versos de Redenção

No crepúsculo de sua carreira, o poeta aposentado escolheu um caminho de doação. Não optou pelo descanso merecido, mas sim pelo serviço voluntário em uma penitenciária. Corajoso, enfrenta os desafios do sistema prisional para compartilhar palavras de esperança e fé.

Dentro do presídio? Sim! É corajoso, já pensou em uma rebelião acontecendo. Ele retruca dizendo: - Não estamos por causa do que fizeram, não queremos saber o que fizeram. Estamos celebrando não para eles e sim com eles.

Duas vezes por semana, ele se torna a voz da fé dentro dos muros, colaborando na celebração da Missa e na catequese. Ao ser questionado sobre os riscos, ele responde com serenidade, recusando-se a enxergar os detentos como criminosos, mas sim como filhos amados de Deus em busca de perdão humano.

Certo dia, o sol já se punha no horizonte quando o poeta, com sua bíblia desgastada sob o braço, aproximou-se de um detento chamado Miro. Tinha a tatuagem de um palhaço no peito direito. As grades separavam os dois, mas a proximidade era sentida nas palavras que pairavam no ar.

_Boa tarde, Miro. Como você está hoje?

_ Ora, boa tarde. Eu? Estou como sempre, poeta. Perdido nesse labirinto de arrependimentos.

_O arrependimento é um caminho difícil de percorrer, meu amigo. Mas mesmo nos caminhos mais sombrios, a luz pode penetrar. - Disse o poeta sentado-se no banco de visita.

_ Luz? Aqui dentro? Não vejo nada além de sombras. - Respondeu Miro muito cético com tudo isso.

O Poeta sorriu e falou sereno:

_Às vezes, é preciso fechar os olhos para enxergar o que está lá dentro. Não vim aqui para julgar, Miro. Vim para lembrar que, mesmo na escuridão, a esperança ainda pode florescer.

_ Esperança? Já faz tempo desde que a perdi. - Suspirou Miro.

_Não é tarde demais, meu amigo. Deus é o pintor da nossa história, e Ele ainda tem muitos traços para adicionar à sua tela. - Disse o poeta colocando a mão através das grades.

- Você acredita mesmo nisso? - Questionou Miro olhando para a mão estendida.

_ Acredito, Miro. Porque acreditar é plantar a semente da mudança. E eu estou aqui para regar essa semente com palavras de amor e redenção. - Respondeu o poeta com sinceridade.

_ Eu não mereço isso, poeta. - Confidenciou Miro emocionado.

_ Não estamos aqui pelo que merecemos, mas sim pelo que podemos oferecer. A graça está nos gestos de compaixão, não nas balanças da justiça. - Afirmou o Poeta suavemente.

_Talvez... talvez eu precise acreditar nisso.

_ Então, deixe-me ser o eco dessa crença em seu coração. Há mais vida além dessas grades, Miro, e ela está esperando por você. - Sorriu o Poeta.

A conversa continuou entre as grades, uma troca de palavras que transcendia o espaço físico. O poeta e o detento, unidos pelo poder transformador das palavras, compartilhavam não apenas um diálogo, mas uma conexão que ressoava na essência de suas almas.

Sentindo que podia fazer mais, o poeta estende sua benevolência a uma casa de acolhimento. Ali, não vê apenas usuários de drogas, mas amigos necessitados de auxílio. Em suas interações, ele não apenas compartilha a palavra de Deus, mas também compartilha lágrimas, sorrisos, abraços e conversas, mergulhando de cabeça na realidade deles.

Os amigos e familiares do poeta observavam com uma mistura de admiração e preocupação seu comprometimento com o trabalho voluntário na penitenciária. Admiravam a compaixão e a dedicação que ele demonstrava ao se envolver com uma realidade muitas vezes esquecida pela sociedade.

Porém, não podiam deixar de se preocupar com a segurança do poeta, ciente dos desafios e perigos que o ambiente prisional apresentava. Alguns questionavam sua decisão, argumentando que ele merecia um merecido descanso na aposentadoria.

Mesmo com as preocupações, os amigos e familiares reconheciam a transformação que o trabalho voluntário causava no poeta. Notavam uma renovada vitalidade em sua voz ao falar sobre suas experiências, percebendo que ele encontrara um novo propósito que transcendia as limitações da aposentadoria.

Ao questionarem se o poeta realmente se aposentou, a resposta emerge naturalmente: sua aposentadoria é uma caminhada contínua de compaixão e solidariedade, um testemunho de que sua caneta pode ter descansado, mas seu coração continua a escrever histórias de redenção e amor.

Por José Casanova
Professor, Jornalista e Escritor da
Academia Bacabalense de Letras

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