domingo, 21 de janeiro de 2024

CRÔNICA DO DIA: O peso das lembranças

 

Era uma tarde abafada de domingo na já não tão  pequena cidade de Bacabal. Passando de moto na BR 316, observo no bairro Trizidela, uma prédio público sem utilidade, sendo usado como abrigo por um  senhor idoso, de cabelos longos e grisalhos. Este senhor, além de viver em situação de rua, carrega consigo o estigma de ser acumulador. Descobri que o mesmo tem família, mas que não consegue conviver com ela, ou será  o contrário? Nas ruas, o vai e vem de pessoas parecia um espetáculo constante, mas nos recantos silenciosos das casas, algumas histórias se desenrolavam em meio a um emaranhado de objetos acumulados ao longo dos anos. O senhor morador de rua, não era o único acumulador da cidade.

Na casa de Dona Clara, uma senhora simpática de cabelos prateados, moradora do bairro Madre Rosa,  cada canto era preenchido por recordações que pareciam ganhar vida própria. Jornais antigos, bonecas de porcelana, caixas empoeiradas e uma infinidade de tralhas se amontoavam, criando um labirinto de memórias.

Na cozinha, Dona Clara estava imersa em uma conversa com seu neto, Marcos.

- Vó, por que você guarda tantas coisas? A casa tá sempre cheia delas.

_ Ah, meu querido, são lembranças da vida. Cada objeto conta uma história, uma parte de quem fomos um dia.

_ Mas a casa tá cheia demais, vó. Isso não é bom.

_ Eu sei, meu amor. Às vezes, é difícil se desapegar.

O que Dona Clara enfrentava era conhecido como Síndrome de Acumulação Compulsiva, um transtorno caracterizado pelo acúmulo excessivo de objetos, mesmo que sejam inúteis ou sem valor aparente. A psicologia explica que, muitas vezes, os acumuladores compulsivos associam significados emocionais profundos a esses itens, tornando-se difícil se separar deles.

A situação estava ficando insustentável ao ponto dos vizinhos pedirem ajuda às autoridades. Numa tarde ensolarada, a psicóloga Dra. Marta Santos visitou Dona Clara para entender melhor sua situação.

_ Dona Clara, entendo que cada objeto é especial para você, mas precisamos encontrar um equilíbrio. O excesso de coisas pode prejudicar sua qualidade de vida.

_ Eu sei, doutora, mas é difícil abrir mão das lembranças. – Afirmou Clara em tom de nostalgia

A terapia tornou-se um caminho para desvendar os sentimentos subjacentes e ajudar Dona Clara a superar suas dificuldades. Enquanto isso, a comunidade se uniu para oferecer suporte prático, ajudando na organização da casa e na tomada de decisões sobre o que manter ou descartar.

Os sintomas de acumulação compulsiva variam, mas frequentemente incluem dificuldade em descartar itens, ansiedade ao pensar em se desfazer de objetos, e uma sensação de conforto ao estar cercado por suas coisas.

Ao longo do tempo, com paciência e apoio, Dona Clara começou a fazer escolhas conscientes sobre o que manter. Cada objeto descartado representava um passo em direção à liberdade emocional.

Assim, entre o passado e o presente, Dona Clara aprendeu a valorizar as memórias sem deixar que o peso do passado sufocasse seu presente. O que parecia uma casa entulhada de objetos tornou-se, aos poucos, um lar onde o espaço para novas histórias pôde florescer.

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