terça-feira, 30 de janeiro de 2024

CRÔNICA DO DIA: O exterminador das palavras

 

Nas ruas quentes de Alto Alegre, onde as tradições se entrelaçam com os tempos modernos, um adolescente cigano chamado Foguinho traça seu caminho no labirinto dos sonhos e desafios. O sol inclemente refletia nos fios de ouro de sua juba rebelde, enquanto ele navegava por entre as vielas rumo à Escola Santa Mônica.

A Escola Santa Mônica, com seus corredores silenciosos e salas cheias de promessas educacionais, tornou-se um palco inesperado e propício para as peripécias de Foguinho, Seu nome, que evocava a chama de uma fogueira, contrastava com as sombras que pairavam sobre suas dificuldades de aprendizagem.

Foguinho, com sua alma cigana, trazia consigo um mundo de tradições e uma identidade que pulsava em seu coração. A escola, porém, era um desafio de proporções desconhecidas. As letras e palavras dançavam diante de seus olhos, criando um emaranhado de símbolos que escapavam de sua compreensão. No entanto, algo mágico acontecia ao final de cada aula.

Embora Foguinho evitasse as tarefas escolares, ao soar do sirene ele entregava as lições meticulosamente concluídas, um enigma que intrigava seus professores e colegas. Era um segredo bem guardado, compartilhado apenas com algumas colegas que, generosamente, ofereciam sua ajuda.

A liderança de Foguinho, especialmente entre as meninas da turma, era inquestionável. Ele se tornou uma figura carismática, um elo entre o mundo cigano e a escola. Suas habilidades transcendiam os limites acadêmicos, manifestando-se na leitura de mãos que ele oferecia, principalmente ao professor de português com o qual mantinha certa intimidade pedagógica:

_ Professor, posso ler sua mão: - Perguntou Foguinho ao professor de português.

_ E Você já sabe ler mão, foguinho? - Quis saber o professor.

_Claro! - Respondeu Foguinho. _Minha mãe me ensinou a ciência. - Concluiu.

O professor se deu por vencido.

_ Tá bom. -Disse o professor oferendo a palma da mão.

Foguinho pegou a mão do professor a percorrendo com seus olhos escuros e penetrantes que carregavam a vivacidade de quem traz consigo séculos de cultura. Na sala de aula fez-se um silêncio total. Foguinho não apenas carregava o peso das tradições ciganas em seus ombros, mas também a esperteza de um adolescente apressado em querer ser homem.

- Mas tem que dá um agrado pro santo. - Disse Foguinho em alto e bom tom.

A turma quebrou o silêncio com uma sonora gargalhada.

A presença da mãe de Foguinho na escola era rara, mas quando ela aparecia, trazia consigo a força de uma linhagem antiga. Ela queria entender o universo educacional que envolvia seu filho e, ao mesmo tempo, garantir que as tradições que ele carregava não fossem esquecidas.

Foi em um dia comum, enquanto percorria os corredores da escola, que Foguinho se deparou com um quadro de isopor no mural. Seus olhos se fixaram nas letras que formavam a palavra "M U R A L". Soletrou a palavra; M,U, R A L.

Sabia o nome das letras, um sorriso malandro iluminou seu rosto quando decifrou a sua maneira , a mensagem, e uma faísca de inspiração acendeu-se em seu íntimo e espontaneamente gritou:

_ Aviso!!!!

Foguinho sabia que o Mural servia apenas para expor Avisos, era sua fora de ler o mundo, decidiu então, canalizar suas habilidades para melhorar a vida de seu povo cigano, podia não saber ler, mas sabia interpretar as coisas, dizer para que serviam, mesmo que para isso tivesse que exterminar as palavras para compreender a vida nômade no mundo.

Por José Casanova
Professor, Jornalista e Escritor da
Academia Bacabalense de letras

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