domingo, 23 de junho de 2024

São João Sem Asa Branca: O Desvanecer da Identidade Nordestina


A festa de São João no Nordeste sempre foi um espetáculo à parte. O cheiro de milho cozido e pamonha se misturava ao aroma das fogueiras que ardiam nas noites frias de junho. O som do triângulo, da sanfona e da zabumba embalava os passos cadenciados das quadrilhas juninas, que dançavam ao redor do mastro enfeitado. Cada movimento contava uma história, cada verso cantado era um pedaço da alma nordestina. Era a época do ano em que a tradição se renovava e o orgulho de ser nordestino florescia com mais força.

Nos últimos anos, algo mudou. As fogueiras ainda queimam e os mastros ainda estão de pé, mas o som que preenche as noites de São João já não é o mesmo. O sotaque das brincadeiras parecem perder o ritmo. O verdadeiro forró, com suas letras poéticas e melodias que falam de amor, saudade e resistência, foi relegado a um canto obscuro das festividades. No palco principal, o que se ouve agora são bandas de "piseiro" e outros ritmos que nada têm a ver com a essência nordestina.

As quadrilhas juninas, antes uma representação vibrante da cultura local, foram estilizadas e perderam parte de sua autenticidade. O que era uma dança de celebração e comunhão agora parece uma competição de quem tem o figurino mais extravagante e a coreografia mais complexa. A simplicidade que encantava foi trocada por um espetáculo pirotécnico que, embora impressione, não emociona.

Artistas populares, que mantêm viva a chama do forró autêntico, lutam por um espaço que, cada vez mais, lhes é negado. Quando conseguem se apresentar, o cachê simbólico mal cobre os custos da viagem e dos ensaios e na maioria das vezes são pagos com meses de atraso. É um golpe duro para aqueles que dedicaram suas vidas a manter viva a tradição de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Gonzaga, que cantou o sertão com tanto amor e verdade, deve tremer em seu túmulo sagrado ao ouvir o som do "forró de plástico" que se espalhou pela festa de São João. Como disse o poeta Roberto Carlos; "não sou contra o progresso, mas apelo pro bom Senso". 

A identidade do São João nordestino está em risco. A modernidade trouxe novidades, mas também diluiu o que era genuíno. Cabe a nós, nordestinos de coração, lutar para que a essência de nossa festa não se perca. Precisamos resgatar o verdadeiro forró, valorizar nossos artistas e celebrar nossas quadrilhas juninas com a simplicidade e a alegria de sempre. Só assim, poderemos garantir que as futuras gerações conheçam e amem a verdadeira festa de São João, como Luiz Gonzaga e tantos outros mestres nos ensinaram.

Por José Casanova
Professor, Jornalista e Escritor
membro da Academia Bacabalense de Letras e
Academia Mundial de Letras da Humanidade

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