sábado, 27 de agosto de 2016

Hoje é dia de Poesia:"Vladimir Maiakóvski


"Vladimir Maiakóvski (Владимир Маяковский) é o maior poeta russo moderno, aquele que mais completamente expressou, nas décadas em torno da Revolução de Outubro, os novos e contraditórios conteúdos do tempo e as novas formas que estes demandavam.


Maiakóvski deixa descortinar em sua poesia um roteiro coerente, dos primeiros poemas, nitidamente de pesquisa, aos últimos, de largo hausto, mas sempre marcados pela invenção. "Sem forma revolucionária não há arte revolucionária", era o seu lema, e nesse sentido Maiakóvski é um dos raros poetas que conseguiram realizar poesia participante sem abdicar do espírito criativo."

- Haroldo de Campos, no livro "Poemas de Maiakóvski". [organização e traduções de Augusto de Campos e Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 1982.




SELEÇÃO DE POEMA DE VLADIMIR MAIAKÓVSKI (EDIÇÃO BILÍNGUE)


JUBILEU

Aleksandr Sierguéievitch *,

me apresento, se permite:

— Maiakóvski.

Dê-me a mão!

Eis a jaula do tórax.

Ouve?

Não vibra, —

gane,

este filhote de leão domesticado.

Preocupa-me!

Parece-me que trago

toneladas de vexame

na cabeça frívola.

Venha,

eu o tiro daí.

Que ar de surpresa!

Puxei forte?

Doeu?

Lamento, amigo.

Você

e eu,

já estamos bem providos

de eternidade.

O tempo nos sobeja!

Vamos conversar

como água célere,

como a primavera,

que livra e libera.

Veja

no céu

esta lua-donzela,

que perigo!,

saindo

sem nenhum satélite!

Eu

agora

estou livre

do amor,

dos cartazes.

O urso

do ciúme

é um tapete de unhas.

Quem quiser

uma prova

de que a terra é curva,

sentado

sobre as próprias nádegas,

resvale!

Não,

não vou impor

os meus humores negros,

já não quero falar,

e com quem falaria?

São

as guelras da rima,

aflando sem sossego,

em gente como nós,

na areia da poesia.

O sonho é dano,

a fantasia inútil,

é preciso

arrastar

as rotinas do tédio.

Mas ocorre

que a vida

tome um perfil inédito,

e revele

a grandeza

através do que é fútil.

Nos dois

contra o lirismo,

baioneta calada,

buscamos

a nudez

da palavra precisa.

A poesia,

porém,

é uma não-sei-que-diga,

largada por aí,

sem lugar para nada.

Isto,

por exemplo,

é falado ou balido?

Bigodes abóbora

no focinho azul:

— Nabucodonosor,

o rei bíblico? —

“Coopaçúc” **,

Há um velho sistema:

Vamos encher a cara!

Afogar

as penas

no vinho.

Mas repare,

que os Red e White Stars ***

não passem à deriva

com uma carga de vistos.

Você,

à minha mesa!

Isto me alegra!

Hábil,

a Musa

lhe da corda:

— O que

dizia mesmo

aquela Olga?. . .

— Olga?

Tatiana!

A carta de Oniéguin:

“Teu marido

é um velho obtuso,

um eunuco.

Amo-te.

Sê minha!

E sem falta!

Já de manhã

quero ficar seguro

de ver-te

logo mais

nesta data.”****

Houve de tudo:

a espera sob a janela,

cartas,

os nervos como geléia. . .

Mas o pior,

Aleksandr Sierguéievitch,

é ter passado

do ponto

de afligir-se.

Marche,

Maiakóvski!

Mais ao norte!

Coração

torturado de rimas.

Entregue

o amor

à própria sorte,

Meu caro

Vladímir Vladímitch.

Envelheço?

Não,

não é fato.

Investido

com toda

esta carcaça,

dou conta de dois,

sem sobressalto,

e até de três,

se me fazem pirraça.

Tacham meus temas

de in-di-vi-du-a-lis-tas!

Que o censor não se irrite,

entre nous:

até dois membros

da Central Comunista

há quem diga

ter visto

aos arrulhos. . .

Um mexerico,

pelo amor do fuxico.

Não dê ouvidos,

Aleksandr Sierguéievitch!

Serei

talvez

no fundo

o único triste

por não tê-lo

mais hoje

entre os vivos*****.

Em vida,

nos teríamos entendido.

Mas breve

estarei mudo

e inerme,

e mortos,

seremos já

quase vizinhos:

você na letra P,

eu

na letra M.

Quem se põe entre nós?

Você o que me diz?

Que país

mais pobre

de poetas!

Entre nós

— maldição! —

Nádson se intromete ******.

Vamos ver

se o remetem

para as bandas do X.

E Niekrassov *******,

Kólia,

filho do extinto Aleixo?

Bom nas cartas,

nos versos,

e não mau no aspecto?

Você o conhece?

Excelente sujeito!

Fica conosco,

é um companheiro certo.

Os meus contemporâneos?!

Se quer que eu prossiga...

Trocá-lo

por cinqüenta

Seria mau negócio.

Bocejos

de arrancar

mandíbula!

Dorogóitchenco,

Guerássimov,

Kirilov,

Rodov. . .

(Um cenário

uniconformissário).

E vem

Iessiên

e a mujicante malta.

Que farsa!

São vacas de luvas.

Ouve-se uma vez,

e basta!

Música

de balalaica!

É preciso

que o poeta

seja mestre da vida.

Nós ambos

somos fortes

— álcool de Poltava.

E Biezimiênski?

Bem. . .

Não é de nada. . .

Café

de cenoura fervida...

É verdade

ficou faltando

Assiéiev.

Este vale!

Tem a minha pegada.

Mas é pai de família

e deve

(Pequena ou não)

alimentá-la. . .

Se você

fosse vivo,

eu o faria

co-redator da LEF********,

e seria capaz

de confiar-lhe

até

a poesia-cartaz.

Mostrava como se faz:

— e zás! —

com este estilo,

não duvido,

você aprenderia!

Eu lhe arranjaria

tinta

e pano,

damas do GUM*********

para os reclames.

(Como prova

de quanto sou longânime,

acabei

de ciciar-lhe um jambo. . . ).

Mas vejo-o

relegando

a jâmbica balbúcie.

Agora a pena

é arma,

uma farpa de espeque.

Junto à Revolução,

Poltava é pó**********,

minúcia.

Nosso amor é maior

que os amores de Oniéguin.

Tema os puchkinistas!

Miolomole Pelúchkin ***********

solavanca-se

logo,

a escrever com ferrugem:

— Púchkin na LEF?

É o que faltava!

O negregando!************

Rival de Dierjávin. . . *************

Eu o amo,

mas vivo,

não múmia.

Sem o verniz

dos florilégios-catacumba.

O Africano,

que também sentiu fúria:

— Aquele D`Anthés,

filho do cão!

Refugo mundano de salão!

Deixe,

que ao D`Anthés **************

faremos uma enquete***************:

Nome? Filiação?

Ocupação antes de 17?

E o D`Anthés se escafede.

É o fim dessa súcia. . .

Que conversa vazia!

Respira coisa espirita. . .

“Prisioneiro da honra. . .

uma bala. . .

e perece. . .”

Mas hoje

a mesma ronda

ainda gira

matilha

e nos caça as mulheres. . .

Estamos bem aqui,

no país dos Sovietes,

vivendo

e trabalhando

em harmonia.

Pena

apenas

que nos faltam poetas.

Mas será

que eles teriam serventia?

É hora,

a aurora arregalou seus raios.

Vamos,

eu ajudo,

de volta ao pedestal.

O vigia

pode vir

procurá-lo:

na Avenida Tvierskaia,

você é figura habitual.

A mim,

a meu posto,

uma estátua é devida.

Dinamite:

— eu a explodo em detritos!

Odeio

a morte e seu mortiço.

Adoro

aquilo que é vida.


1924

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