"Vladimir Maiakóvski (Владимир Маяковский) é o maior poeta russo moderno, aquele que mais completamente expressou, nas décadas em torno da Revolução de Outubro, os novos e contraditórios conteúdos do tempo e as novas formas que estes demandavam.
Maiakóvski deixa descortinar em sua poesia um roteiro coerente, dos primeiros poemas, nitidamente de pesquisa, aos últimos, de largo hausto, mas sempre marcados pela invenção. "Sem forma revolucionária não há arte revolucionária", era o seu lema, e nesse sentido Maiakóvski é um dos raros poetas que conseguiram realizar poesia participante sem abdicar do espírito criativo."
- Haroldo de Campos, no livro "Poemas de Maiakóvski". [organização e traduções de Augusto de Campos e Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman]. São Paulo: Editora Perspectiva, 1982.
SELEÇÃO DE POEMA DE VLADIMIR MAIAKÓVSKI (EDIÇÃO BILÍNGUE)
JUBILEU
Aleksandr Sierguéievitch *,
me apresento, se permite:
— Maiakóvski.
Dê-me a mão!
Eis a jaula do tórax.
Ouve?
Não vibra, —
gane,
este filhote de leão domesticado.
Preocupa-me!
Parece-me que trago
toneladas de vexame
na cabeça frívola.
Venha,
eu o tiro daí.
Que ar de surpresa!
Puxei forte?
Doeu?
Lamento, amigo.
Você
e eu,
já estamos bem providos
de eternidade.
O tempo nos sobeja!
Vamos conversar
como água célere,
como a primavera,
que livra e libera.
Veja
no céu
esta lua-donzela,
que perigo!,
saindo
sem nenhum satélite!
Eu
agora
estou livre
do amor,
dos cartazes.
O urso
do ciúme
é um tapete de unhas.
Quem quiser
uma prova
de que a terra é curva,
sentado
sobre as próprias nádegas,
resvale!
Não,
não vou impor
os meus humores negros,
já não quero falar,
e com quem falaria?
São
as guelras da rima,
aflando sem sossego,
em gente como nós,
na areia da poesia.
O sonho é dano,
a fantasia inútil,
é preciso
arrastar
as rotinas do tédio.
Mas ocorre
que a vida
tome um perfil inédito,
e revele
a grandeza
através do que é fútil.
Nos dois
contra o lirismo,
baioneta calada,
buscamos
a nudez
da palavra precisa.
A poesia,
porém,
é uma não-sei-que-diga,
largada por aí,
sem lugar para nada.
Isto,
por exemplo,
é falado ou balido?
Bigodes abóbora
no focinho azul:
— Nabucodonosor,
o rei bíblico? —
“Coopaçúc” **,
Há um velho sistema:
Vamos encher a cara!
Afogar
as penas
no vinho.
Mas repare,
que os Red e White Stars ***
não passem à deriva
com uma carga de vistos.
Você,
à minha mesa!
Isto me alegra!
Hábil,
a Musa
lhe da corda:
— O que
dizia mesmo
aquela Olga?. . .
— Olga?
Tatiana!
A carta de Oniéguin:
“Teu marido
é um velho obtuso,
um eunuco.
Amo-te.
Sê minha!
E sem falta!
Já de manhã
quero ficar seguro
de ver-te
logo mais
nesta data.”****
Houve de tudo:
a espera sob a janela,
cartas,
os nervos como geléia. . .
Mas o pior,
Aleksandr Sierguéievitch,
é ter passado
do ponto
de afligir-se.
Marche,
Maiakóvski!
Mais ao norte!
Coração
torturado de rimas.
Entregue
o amor
à própria sorte,
Meu caro
Vladímir Vladímitch.
Envelheço?
Não,
não é fato.
Investido
com toda
esta carcaça,
dou conta de dois,
sem sobressalto,
e até de três,
se me fazem pirraça.
Tacham meus temas
de in-di-vi-du-a-lis-tas!
Que o censor não se irrite,
entre nous:
até dois membros
da Central Comunista
há quem diga
ter visto
aos arrulhos. . .
Um mexerico,
pelo amor do fuxico.
Não dê ouvidos,
Aleksandr Sierguéievitch!
Serei
talvez
no fundo
o único triste
por não tê-lo
mais hoje
entre os vivos*****.
Em vida,
nos teríamos entendido.
Mas breve
estarei mudo
e inerme,
e mortos,
seremos já
quase vizinhos:
você na letra P,
eu
na letra M.
Quem se põe entre nós?
Você o que me diz?
Que país
mais pobre
de poetas!
Entre nós
— maldição! —
Nádson se intromete ******.
Vamos ver
se o remetem
para as bandas do X.
E Niekrassov *******,
Kólia,
filho do extinto Aleixo?
Bom nas cartas,
nos versos,
e não mau no aspecto?
Você o conhece?
Excelente sujeito!
Fica conosco,
é um companheiro certo.
Os meus contemporâneos?!
Se quer que eu prossiga...
Trocá-lo
por cinqüenta
Seria mau negócio.
Bocejos
de arrancar
mandíbula!
Dorogóitchenco,
Guerássimov,
Kirilov,
Rodov. . .
(Um cenário
uniconformissário).
E vem
Iessiên
e a mujicante malta.
Que farsa!
São vacas de luvas.
Ouve-se uma vez,
e basta!
Música
de balalaica!
É preciso
que o poeta
seja mestre da vida.
Nós ambos
somos fortes
— álcool de Poltava.
E Biezimiênski?
Bem. . .
Não é de nada. . .
Café
de cenoura fervida...
É verdade
ficou faltando
Assiéiev.
Este vale!
Tem a minha pegada.
Mas é pai de família
e deve
(Pequena ou não)
alimentá-la. . .
Se você
fosse vivo,
eu o faria
co-redator da LEF********,
e seria capaz
de confiar-lhe
até
a poesia-cartaz.
Mostrava como se faz:
— e zás! —
com este estilo,
não duvido,
você aprenderia!
Eu lhe arranjaria
tinta
e pano,
damas do GUM*********
para os reclames.
(Como prova
de quanto sou longânime,
acabei
de ciciar-lhe um jambo. . . ).
Mas vejo-o
relegando
a jâmbica balbúcie.
Agora a pena
é arma,
uma farpa de espeque.
Junto à Revolução,
Poltava é pó**********,
minúcia.
Nosso amor é maior
que os amores de Oniéguin.
Tema os puchkinistas!
Miolomole Pelúchkin ***********
solavanca-se
logo,
a escrever com ferrugem:
— Púchkin na LEF?
É o que faltava!
O negregando!************
Rival de Dierjávin. . . *************
Eu o amo,
mas vivo,
não múmia.
Sem o verniz
dos florilégios-catacumba.
O Africano,
que também sentiu fúria:
— Aquele D`Anthés,
filho do cão!
Refugo mundano de salão!
Deixe,
que ao D`Anthés **************
faremos uma enquete***************:
Nome? Filiação?
Ocupação antes de 17?
E o D`Anthés se escafede.
É o fim dessa súcia. . .
Que conversa vazia!
Respira coisa espirita. . .
“Prisioneiro da honra. . .
uma bala. . .
e perece. . .”
Mas hoje
a mesma ronda
ainda gira
matilha
e nos caça as mulheres. . .
Estamos bem aqui,
no país dos Sovietes,
vivendo
e trabalhando
em harmonia.
Pena
apenas
que nos faltam poetas.
Mas será
que eles teriam serventia?
É hora,
a aurora arregalou seus raios.
Vamos,
eu ajudo,
de volta ao pedestal.
O vigia
pode vir
procurá-lo:
na Avenida Tvierskaia,
você é figura habitual.
A mim,
a meu posto,
uma estátua é devida.
Dinamite:
— eu a explodo em detritos!
Odeio
a morte e seu mortiço.
Adoro
aquilo que é vida.
1924
sábado, 27 de agosto de 2016
Hoje é dia de Poesia:"Vladimir Maiakóvski
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário