POR ZEMA RIBEIRO*
ESPECIAL PARA O JORNAL PEQUENO
ESPECIAL PARA O JORNAL PEQUENO
Mesmo no “conforto” do banco traseiro de uma caminhonete com tração nas quatro rodas, a viagem da sede de Santa Luzia – município distante 294 km de São Luís – até o povoado Campo Grande é dolorida e cansativa. Imaginemos agora a situação de quem tem de fazê-la no desconforto de bancos dos chamados “paus de arara” – que ali servem até mesmo de transporte escolar – ou em situações piores, como será relatado.
São “apenas” 62 km, mas as aspas colocadas aí se justificam pelo fato de
a distância não ser percorrida em menos de duas horas – raro é o trecho
em que o motorista consegue ultrapassar a média de 30 km/h. Terra,
barro e areia se alternam na geografia do tortuoso caminho, com o carro
“sobrevoando” mais de 20 pontes – todas de madeira e em péssimo estado
de conservação; em alguns locais, já nem existem – e muita poeira.
Sorte que o veículo ultrapassa os córregos mais rasos. Em algumas das
pontes precárias o equilíbrio do veículo – e, antes, das pontes, em si –
impressionava fiéis católicos e/ou evangélicos: os padres, no carro,
tinham mesmo parte com o homem lá em cima, só um milagre impede a queda
daquelas estruturas de madeira. “É a vida como ela é”, alertou-me um dos
passageiros, citando um Nelson Rodrigues que provavelmente nunca leu,
“sem palavras para enfeitar. Por que às vezes a linguagem distorce a
realidade”, mandou, já sabendo que eu era “o jornalista”; o repórter
viajou a convite das Redes e Fóruns de Justiça e Cidadania do Maranhão.
Na tarde quente da última segunda-feira, 29 de agosto, a reportagem
encontrou mais de 200 pessoas, de 25 povoados acessados pela estrada –
ou o estirão que deveria ser uma – em audiência marcada para
reivindicá-la. Convocada pela Organização de Cidadania e Combate às
Injustiças Sociais de Santa Luzia (OCCIS-SL), organização
não-governamental que trabalha “em prol da efetivação de direitos no
município e região”, como se define em sua página na internet, contou
ainda com a presença de representantes da Igreja Católica, Redes e
Fóruns de Justiça e Cidadania do Maranhão, Cáritas Brasileira Regional
Maranhão e Ministério Público Estadual, além de lideranças comunitárias.
A reivindicação da população é justa: da Parada do Gavião – primeiro
povoado, vizinho ao asfalto, na divisa com a sede – ao Campo Grande,
passando por tantos outros, o que se vê é o descalabro já narrado em
nossos primeiros parágrafos. O prefeito Márcio Leandro Antezana
Rodrigues, no entanto, alega que a estrada está 80% pronta, de acordo
com relatos dos presentes. A vista míope do repórter, no entanto não se
engana: vê, in loco, a situação da estrada, e lê a ação civil pública
ajuizada pelo promotor de Justiça Joaquim Ribeiro de Souza Junior, em 28
de junho passado, de que colhemos trecho: “A aludida estrada vicinal,
em razão da falta de conservação a cargo do Poder Público, praticamente
não existe mais. O que resta são buracos, lama e pedaços de pontes
suficientes apenas para a travessia dos que desejarem expor sua vida a
perigo”. Outra ação civil pública, por ato de improbidade
administrativa, foi ajuizada, na mesma data, ambas fundamentadas em
abaixo-assinados com milhares de assinaturas de luzienses.
Não é
ficção de qualquer mestre da literatura que use o Nordeste como cenário.
Vários relatos foram ouvidos na audiência sobre mulheres em trabalho de
parto, doentes e até mesmo mortos transportados em redes, carregados
por pessoas a pé, ao longo da estrada até a sede, em busca de
atendimento médico ou cemitério – no inverno, com as atuais condições da
estrada, veículos simplesmente não trafegam. A produção agrícola da
região não pode ser escoada e outros produtos não conseguem chegar, ao
menos enquanto o tempo não seca.
Os povoados dispõem apenas de
ensino fundamental; alunos do ensino médio têm que se deslocar até a
sede. No período chuvoso, todos ficam sem aula e alimentação escolar: no
caso dos segundos, não a como levar; no dos primeiros, não a como as
professoras viajarem. Mais de sete mil pessoas dependem da estrada,
quase 10% da população luziense, estimada em 85 mil habitantes pelo
último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Cadê o dinheiro?
– Ninguém sabe onde foram parar os R$ 720 mil oriundos de convênio,
assinado em 1º de junho de 2010, entre a Prefeitura de Santa Luzia e o
Departamento Estadual de Infraestrutura (Deint), destinados justamente à
recuperação de estradas vicinais. Um documento assinado pelo secretário
de Obras do município, Francisco Carlos Nascimento Braide, dá conta da
construção e/ou recuperação das pontes do percurso.
“A estrada
foi eleita como primeiro problema: ela é um direito negado, o de ir e
vir; e com ele, todos os outros direitos são também negados: saúde,
educação, alimentação”, afirmou Dimas da Silva, monitor estadual das
Redes e Fóruns de Cidadania do Maranhão.
Até o fechamento da matéria, a reportagem não conseguiu ouvir algum representante da Prefeitura de Santa Luzia.
*Zema Ribeiro é assessor de comunicação da Cáritas Brasileira Regional Maranhão
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