domingo, 4 de setembro de 2011

Moradores de Campo Grande, povoado de Santa Luzia/MA, reivindicam estrada

POR ZEMA RIBEIRO*
ESPECIAL PARA O JORNAL PEQUENO

Mesmo no “conforto” do banco traseiro de uma caminhonete com tração nas quatro rodas, a viagem da sede de Santa Luzia – município distante 294 km de São Luís – até o povoado Campo Grande é dolorida e cansativa. Imaginemos agora a situação de quem tem de fazê-la no desconforto de bancos dos chamados “paus de arara” – que ali servem até mesmo de transporte escolar – ou em situações piores, como será relatado.
São “apenas” 62 km, mas as aspas colocadas aí se justificam pelo fato de a distância não ser percorrida em menos de duas horas – raro é o trecho em que o motorista consegue ultrapassar a média de 30 km/h. Terra, barro e areia se alternam na geografia do tortuoso caminho, com o carro “sobrevoando” mais de 20 pontes – todas de madeira e em péssimo estado de conservação; em alguns locais, já nem existem – e muita poeira.
Sorte que o veículo ultrapassa os córregos mais rasos. Em algumas das pontes precárias o equilíbrio do veículo – e, antes, das pontes, em si – impressionava fiéis católicos e/ou evangélicos: os padres, no carro, tinham mesmo parte com o homem lá em cima, só um milagre impede a queda daquelas estruturas de madeira. “É a vida como ela é”, alertou-me um dos passageiros, citando um Nelson Rodrigues que provavelmente nunca leu, “sem palavras para enfeitar. Por que às vezes a linguagem distorce a realidade”, mandou, já sabendo que eu era “o jornalista”; o repórter viajou a convite das Redes e Fóruns de Justiça e Cidadania do Maranhão.
Na tarde quente da última segunda-feira, 29 de agosto, a reportagem encontrou mais de 200 pessoas, de 25 povoados acessados pela estrada – ou o estirão que deveria ser uma – em audiência marcada para reivindicá-la. Convocada pela Organização de Cidadania e Combate às Injustiças Sociais de Santa Luzia (OCCIS-SL), organização não-governamental que trabalha “em prol da efetivação de direitos no município e região”, como se define em sua página na internet, contou ainda com a presença de representantes da Igreja Católica, Redes e Fóruns de Justiça e Cidadania do Maranhão, Cáritas Brasileira Regional Maranhão e Ministério Público Estadual, além de lideranças comunitárias.
A reivindicação da população é justa: da Parada do Gavião – primeiro povoado, vizinho ao asfalto, na divisa com a sede – ao Campo Grande, passando por tantos outros, o que se vê é o descalabro já narrado em nossos primeiros parágrafos. O prefeito Márcio Leandro Antezana Rodrigues, no entanto, alega que a estrada está 80% pronta, de acordo com relatos dos presentes. A vista míope do repórter, no entanto não se engana: vê, in loco, a situação da estrada, e lê a ação civil pública ajuizada pelo promotor de Justiça Joaquim Ribeiro de Souza Junior, em 28 de junho passado, de que colhemos trecho: “A aludida estrada vicinal, em razão da falta de conservação a cargo do Poder Público, praticamente não existe mais. O que resta são buracos, lama e pedaços de pontes suficientes apenas para a travessia dos que desejarem expor sua vida a perigo”. Outra ação civil pública, por ato de improbidade administrativa, foi ajuizada, na mesma data, ambas fundamentadas em abaixo-assinados com milhares de assinaturas de luzienses.
Não é ficção de qualquer mestre da literatura que use o Nordeste como cenário. Vários relatos foram ouvidos na audiência sobre mulheres em trabalho de parto, doentes e até mesmo mortos transportados em redes, carregados por pessoas a pé, ao longo da estrada até a sede, em busca de atendimento médico ou cemitério – no inverno, com as atuais condições da estrada, veículos simplesmente não trafegam. A produção agrícola da região não pode ser escoada e outros produtos não conseguem chegar, ao menos enquanto o tempo não seca.
Os povoados dispõem apenas de ensino fundamental; alunos do ensino médio têm que se deslocar até a sede. No período chuvoso, todos ficam sem aula e alimentação escolar: no caso dos segundos, não a como levar; no dos primeiros, não a como as professoras viajarem. Mais de sete mil pessoas dependem da estrada, quase 10% da população luziense, estimada em 85 mil habitantes pelo último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Cadê o dinheiro? – Ninguém sabe onde foram parar os R$ 720 mil oriundos de convênio, assinado em 1º de junho de 2010, entre a Prefeitura de Santa Luzia e o Departamento Estadual de Infraestrutura (Deint), destinados justamente à recuperação de estradas vicinais. Um documento assinado pelo secretário de Obras do município, Francisco Carlos Nascimento Braide, dá conta da construção e/ou recuperação das pontes do percurso.
“A estrada foi eleita como primeiro problema: ela é um direito negado, o de ir e vir; e com ele, todos os outros direitos são também negados: saúde, educação, alimentação”, afirmou Dimas da Silva, monitor estadual das Redes e Fóruns de Cidadania do Maranhão.
Até o fechamento da matéria, a reportagem não conseguiu ouvir algum representante da Prefeitura de Santa Luzia.
*Zema Ribeiro é assessor de comunicação da Cáritas Brasileira Regional Maranhão

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