domingo, 23 de maio de 2010

A herança imortal dos discípulos de Chico Xavier

Basta olhar para a plateia de quase 200 pessoas para perceber logo a quem se endereça a carta lida em voz alta no fim da sessão no Centro Espírita Aurélio Agostinho. As emoções entregam até os mais contidos. As mensagens seriam de pessoas que já morreram encaminhadas a parentes. Uma moça não contém as lágrimas e sai da sala. No banco da frente, duas crianças abraçam o pai com força e soluçam ao ouvir recado que acreditam ser do avô morto. A dor da saudade ainda leva uma multidão a Uberaba, mesmo oito anos após a morte de Chico Xavier. Eles agora procuram os herdeiros que seguem à risca as lições do mestre.



A tarefa é dividida entre o dentista Carlos Baccelli, 58 anos, e o ourives Celso de Almeida Afonso, 68. Os dois nada cobram. Baccelli atende no Lar Pedro e Paulo. Tem o respaldo de ter escrito 10 livros em parceria com Chico e ser o seu maior biógrafo, com 15 obras sobre sua vida. “Chico não quis eleger um sucessor. Quando era vivo, ora indicava um ora, outro”, diz o jornalista Marcel Souto Maior, autor de ‘As vidas de Chico Xavier’, que deu origem ao longa-metragem de Daniel Filho, já em cartaz nos cinemas.


Celso também era próximo de Chico. Estranha, porém, a ausência dele na badalada festa de lançamento do filme sobre o mestre em Uberaba, com as presenças do governador mineiro Aécio Neves e de vários artistas. Ele bem sabe que o mestre até o elogiaria pela indelicadeza. “Como eu poderia deixar essas pessoas?”, explicou, olhando penca de gente, de olhos umedecidos, sentada nas primeiras fileiras. Eles queriam uma palavrinha do ente querido de partida tão precoce.

É assim nas noites de segunda e sexta-feira. Um cinegrafista focaliza a mão de Celso durante a sessão de psicografia. Ao se afastar, o jornalista é interpelado pela dona de casa Amélia Dias Fernandes, 57: “Pressenti que você acabou de filmar a carta da minha filha.” O cinegrafista explica apenas se lembrar de o médium ter feito a letra A no fim de uma página. “O nome dela é Adriana”, diz a mãe, esperançosa. Coincidência ou não, a mensagem seria atribuída mesmo a Adriana Fernandes. “Creio que meu irmão, Cesinha, ficará feliz com estas minhas notícias”, lê o médium. “Ela e o irmão eram unha e carne”, ratifica a mãe, abraçada ao marido Cesar Ramos.

A viagem de quase 500 quilômetros desde São Paulo valeu a pena. Amélia autentica a comunicação. A doença levou a filha em três meses. A primeira mensagem veio em julho de 2003, um mês após a morte. Era a primeira vez que visitava o centro. Normalmente, a espera é longa, e, na maioria das vezes, o sinal nunca vem do além. Na mensagem, a certeza de que vinha do fundo da alma da querida filha. “Ela agradeceu a homenagem que o irmão fizera, cantando ‘Amigo’, e falou das orações que fazíamos, dando o nome dos santos”, conta a mãe, que receberia até o mês passado 22 cartas. Além dela, naquela noite no Aurélio Agostinho, só cinco pessoas receberam mensagens de parentes.

Chico Xavier deixou também herdeiros que visitam áreas carentes para oferecer todo tipo de assistência. O Museu Casa de Chico Xavier, em Pedro Leopoldo, dá o exemplo. Foi ali que Chico passou boa parte de sua vida e onde se reúne o Grupo Espírita Veneranda, que percorre semanalmente dois bairros da periferia da cidade para entregar cestas básicas e pães. “Essa ajuda é uma bênção. Ganho só R$ 406 por mês e falta muita coisa lá em casa”, diz a dona de casa Joana D’Arc Fernandes, 43, quando apanhava com o casal de filhos um saco de pães. “Damos o pão, mas fazemos questão de dar um abraço. Há pessoas que nos dizem que é o que mais as satisfaz”, observa Helcio Marques, administrador do museu.

Os cariocas conclamados a abrir centros e a seguir com o trabalho

A semente de caridade plantada por Chico Xavier em Uberaba deu frutos em centros espíritas espalhados em todo o País. No Rio de Janeiro, a Casa Espírita Eurípedes Barsanulfo, na Taquara, distribui sopas e cestas básicas a famílias carentes e quentinhas a moradores de rua. O espaço, que vive apenas da contribuição de voluntários, oferece ainda atendimento ambulatorial a 200 crianças portadoras de necessidades especiais. De acordo com os irmãos Gilson e Gilberto Bordallo, 74 anos, fundadores do centro, as orientações sobre o trabalho assistencial foram dadas em 1965 pelo próprio médium através de uma carta psicografada e assinada pelo espírito do Dr. Bezerra de Menezes.

Em Petrópolis, a herança de Chico está bastante viva no Lar Espírita André Luiz — nome dado pelo médium —, no bairro Independência. Além de pregar o Evangelho, a casa faz a distribuição de enxovais, fraldas, leite em pó para mães pobres da região, de sopas para a população de rua, de remédios a quem tem receita médica e de cestas básicas para famílias da comunidade Cacilda Becker. O trabalho beneficente tem à frente Wanda Joviano, 84 anos, amiga pessoal de Chico Xavier.

Foi o pai dela, Rômulo Joviano, que, em 1934, levou Chico para a Fazenda Modelo, do Ministério da Agricultura, onde o médium trabalhava como datilógrafo e iniciou a psicografia dos primeiros livros, ‘Parnaso Além-Túmulo’ e ‘Nosso Lar’. Wanda acredita numa futura reencarnação de Chico. “Ele pode retornar entre nós. Afinal, todos nós vamos e voltamos”, ensina ela.
fonte: O  Dia

Um comentário:

  1. E que façamos a caridade tal como ele fez enquanto encarnado...

    ResponderExcluir