domingo, 16 de maio de 2010

Frei Betto: O olho de quem me olha

Imagine uma prisão redonda como o estádio do Maracanã. Há vários andares de celas. Nenhuma possui porta, de modo que um único carcereiro, situado na guarita no centro da construção circular, controla sozinho o movimento de centenas de prisioneiros. Este o modelo panótico de Bentham, descrito por Michel Foucault em Vigiar e Punir. Muitas penitenciárias o adotaram.

Vivemos agora numa sociedade panótica. Em qualquer lugar em que nos encontramos, um olho nos vê. Somos vistos; quase nunca vemos quem nos vê.

Não me refiro apenas às câmeras discretas ou ocultas em ruas e prédios, elevadores e lojas. O mais poderoso olho é a TV, exatamente esse aparelho que julgamos decidir quando e o que veremos.

Ligamos a TV motivados por seu olho invisível; ele suscita em nós essa atitude. Antes de a emissora colocar no ar uma peça publicitária ou um programa, vários testes são realizados, de modo a assegurar ao anunciante ou patrocinador o êxito de audiência. Conhece-se o olhar alheio através de exaustivas pesquisas de opinião.

O fenômeno atual mais expressivo é o Big Brother, que promove arrebanhamento dos telespectadores, igualizados pela imbecilidade de observar o ritual que ocorre no interior da casa. utrora havia uma economia de bens materiais institucionalmente separada de uma economia de bens espirituais. Desses últimos cuidavam padres, intelectuais e professores.
Agora, a indústria de entretenimento se encarrega da produção de bens espirituais, integrando-nos na família televisual. Os novos bens espirituais já não imprimem sentido altruísta a nossas vidas, e sim motivações voltadas ao acesso a produtos supérfluos, fama, beleza e riqueza. Somos impelidos a consumir, não a refletir.
FONTE: O Dia

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