RUBENS VALENTE
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DE BRASÍLIA
Documento das Forças Armadas liberado após 41 anos de sigilo revela que, em 1970, aviões da FAB despejaram bombas em áreas civis na região do Vale do Ribeira, em São Paulo, durante cerco ao grupo do guerrilheiro Carlos Lamarca, da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária).
O papel confirma o que poderia antes parecer exagero dos relatos feitos pelos militantes de esquerda que participaram do conflito: "Aviões B-26, da FAB, bombardearam regiões suspeitas".
O ex-guerrilheiro Darcy Rodrigues, 69, hoje capitão da reserva do Exército e na época braço direito do ex-capitão do Exército Lamarca, confirmou ontem à Folha que durante dez dias viu aviões sobrevoando a região e ouviu explosões que ele julgou serem de bombas caindo na região de Jacupiranga, a cerca de 30 km de Registro.
"Eles escolhiam para bombardear as reentrâncias da serra do Mar, onde achavam que estávamos escondidos. Jogavam as bombas no início da manhã e à tarde."
"Para eles, não era só nos caçar, era também fazer exercício de guerra diferente."
Em fuga, Rodrigues, o "Leo", se escondeu na mata até ser preso, agredido e levado a São Paulo, onde foi submetido a torturas diárias.
Ele era um aliado de Lamarca desde os anos 60, quando deixou o Exército para seguir o capitão. Depois, exilou-se em Cuba até 1980.
A Folha também localizou o motorista de Lamarca, Joaquim dos Santos, o "Monteiro". Ele escapou da região e avisou outros membros da VPR, mas acabou preso pela Oban (Operação Bandeirante). Lá ouviu de policiais relatos sobre o bombardeio. "Eles falavam que tinha é que jogar bomba mesmo."
O relatório que cita o bombardeio foi produzido pelo CIE (Centro de Informações do Exército), redistribuído pela Aeronáutica e integra o lote de 50 mil documentos entregues recentemente ao Arquivo Nacional de Brasília.
O texto descreve a "Operação Registro", desencadeada pelo Exército, pela Aeronáutica e pela Polícia Militar de São Paulo entre 27 de abril de 5 de maio de 1970.
A partir das primeiras informações fornecidas sob tortura, por presos no Rio, o Exército chegou à região do grupo de 19 guerrilheiros liderados por Lamarca.
Ele, contudo, conseguiu romper o cerco militar e conseguiu chegar ao sertão da Bahia, onde foi cercado e morto no ano seguinte.
Com a promoção post-mortem, a viúva também passaria a receber do Ministério da Defesa uma pensão de R$ 12 mil, valor correspondente ao montante pago a um general-de-brigada do Exército. A juíza federal Claudia Maria Pereira Bastos Neiva acatou os argumentos do Clube Militar, segundo o qual Lamarca não poderia ser beneficiado pela anistia, porque desertor. Servindo em um quartel de Quitaúna, em Osasco, na região metropolitana de São Paulo, Lamarca deixou o Exército para fazer parte de organizações terroristas que se opunham ao regime militar, entre elas a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). A ação promovida pelos militares lembra a data da deserção de Lamarca, dia 13 de fevereiro de 1969. A liminar suspende os pagamentos e os benefícios indiretos, inclusive a promoção no quadro de patentes, até o julgamento do mérito da ação. Em seu despacho, a juíza também disse considerar "altamente questionável a opção política de alocação de receitas para pagamento de valores incompatíveis com a realidade nacional, em uma sociedade carente de saúde pública em padrões dignos, deficiente na educação pública, bem como nos investimentos para saneamento básico, moradia popular e segurança". A ação com o pedido de anulação da portaria foi apresentada à Justiça no dia 10 de setembro, pelo advogado Emílio Antônio Sousa Aguiar Nina Ribeiro. No texto ele dizia que a "a esdrúxula promoção post-mortem não tem qualquer lastro ou fundamento ético e, muito menos, valor jurídico, legal ou administrativo".
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