As velhas Remingtons, Underwoods e Smith Coronas estão atraindo novos adeptos, muitos deles jovens demais para nutrir qualquer nostalgia por fitas enroladas, dedos sujos de tinta e o famoso “branquinho”New York Times
“No computador, você digita muito mais rápido do que o pensamento. Numa máquina de escrever, é preciso pensar”, diz Brandi Kowalski, de 33 anos (Marcus Yam/The New York Times)
Mesmo pelos padrões do Brooklyn, aquele foi um espetáculo curioso: uma dúzia de engenhocas mecânicas dispostas sobre uma toalha branca, emitindo barulhos ocasionais. Compradores espreitavam a exibição, animados mas hesitantes, como se testemunhassem uma coleção de estranhas invenções vindas de uma fantasia de Júlio Verne. Alguns tiravam fotos com seus iPhones.
“Posso encostar?” perguntou uma jovem. Permissão concedida, ela pressionou dois botões ao mesmo tempo. A máquina emperrou. Ela recuou, assustada, como se houvesse levado uma mordida. “Estou apaixonada por todas elas”, declarou Louis Smith, de 28 anos, um baterista de Williamsburg. Cinco minutos depois, ele havia comprado uma Smith Corona Galaxie II de 1968, azul escura, por US$ 150. “Isto remete à permanência, a não ser possível apertar a tecla ‘delete”‘, explicou. “Você precisa ter convicção de seus pensamentos. E essa é minha filosofia sobre as máquinas de escrever”.
Ciente ou não, Smith se juntava a um movimento cada vez mais comum. As máquinas de escrever manuais não estão desaparecendo suavemente na escuridão da era digital. Elas têm atraído novos convertidos, muitos deles jovens demais para nutrir qualquer nostalgia por fitas enroladas, dedos sujos de tinta e fluido corretivo (o famoso “branquinho”).
Diferente dos datilógrafos de outrora, estas pessoas não estão digitando na solidão. Eles estão criando fetiches por velhas Underwoods, Smith Coronas e Remingtons, reconhecendo-as por seu design, funcionalidade e beleza, trocando-as e exibindo-as aos amigos. Numa série de eventos apelidados de “type-ins”, eles se reúnem em bares e livrarias para exibir um tipo de estilo e movimento pós-digital, datilografando letras para enviar por correio comum e competindo para ver quem escreve mais rápido.
Essa subcultura de nostalgia inclui Donna Brady, de 35 anos, e Brandi Kowalski, de 33, da Brady & Kowalski Writing Machines, que recentemente vendeu a Smith Corona Galaxie II no Brooklyn Flea, um mercado de artesanato e antiguidades. “No computador, você digita muito mais rápido do que o pensamento”, afirmou Kowalski. “Numa máquina de escrever, é preciso pensar”. Ela e Brady iniciaram seu negócio de máquinas de escrever antigas em abril do ano passado. Até agora, elas reformaram e venderam mais de 70 máquinas, muitas a usuários de primeira viagem. Seu slogan? “Desplugue-se e se reconecte”.
E datilógrafos estão se reconectando por toda parte. Numa tarde de dezembro, doze pessoas carregaram suas máquinas ao Bridgewater’s Pub, na Filadélfia, para o primeiro de uma série de type-ins. “Esses encontros são como ‘jam sessions’ para os fãs de máquinas de escrever”, disse Michael McGettigan, de 56 anos, dono de uma loja de bicicletas local que criou o formato. “Sindicatos faziam ‘sit-ins’, protestos em que ficavam sentados, e os hippies fazem ‘be-ins’. Assim, pensei: ‘Vamos inventar o type-in”‘.
Nos últimos três meses, surgiram type-ins em cidades de costa a costa e até mesmo em outros países. Em 12 de fevereiro, mais de 60 pessoas apareceram numa livraria em Snohomish, Washington, para um type-in de três horas intitulado “Snohomish Unplugged”. Houve type-ins em Seattle, Phoenix e na Basileia, na Suíça, onde o evento foi chamado de “schreibmaschinenfest”. Brady e Kowalsky pretendem organizar um type-in no Brooklyn, no McCarren Park.
Navios de guerra - Por que celebrar a humilde máquina de escrever? Os entusiastas têm muitos motivos. Para começar, as velhas máquinas de escrever são construídas como navios de guerra. Elas sobrevivem a inúmeros maus tratos e reparos, ao contrário de laptops e smartphones – que se tornam obsoletos no momento em que chegam às lojas. “Seria como dizer: ‘Engula essa, Microsoft!”‘ explicou Richard Polt, de 46 anos, colecionador de máquinas de escrever de Cincinnati. Polts leciona filosofia na Xavier University, onde já distribuiu mais de dez máquinas a alunos e colegas entusiastas.
Outra virtude é a simplicidade. Máquinas de escrever só servem para uma coisa: colocar palavras no papel. “Se estou num computador, é impossível me concentrar somente na escrita”, afirmou Jon Roth, de 23 anos, jornalista que está escrevendo um livro sobre máquinas de escrever. “Fico conferindo meu e-mail, minha página do Twitter”. Quando usa uma máquina de escrever, Roth disse: “Posso me sentar e sei que estou escrevendo. O próprio barulho me diz que estou escrevendo”.
E essas máquinas ainda têm algo a mais. Em mais de dez entrevistas, jovens aficionados pela datilografia abordaram um tema em comum. Embora tenham crescido rodeados por computadores, eles gostam de bisbilhotar as frestas da cultura digital. Como apicultores urbanos, tricotadores descolados e outros ícones da renascença “faça você mesmo”, eles apreciam a característica tangível, a objetividade das coisas. Eles se movem contra doutrinas digitais que identificam o “progresso” humano como uma eterna marcha pela maior eficiência e a busca por uma máquina sem atrito.
Marceneiros - Isso não os torna reacionários. Para muitos jovens que usam máquinas de escrever, a velha tecnologia cabe confortavelmente ao lado da nova. Matt Cidoni, morador de 16 anos de East Brunswick, New Jersey, mantém em seu iPod Touch uma foto de sua máquina favorita, uma Royal No 10, para poder mostrar aos amigos. Online, ele é um orgulhoso membro da “typosphere”, comunidade global de admiradores de máquinas de escrever. Como muitos outros, ele gosta de “typecasting”, o que significa escrever mensagens datilografadas, digitalizá-las com um scanner e postá-las em seu site, “Adventures in Typewriterdom”. Um de seus blogs favoritos dessa prática, Strikethru, pertence a um funcionário da Microsoft. Na visão de mundo de Cidoni, não existe nenhuma inconsistência tecnológica nesse tipo de coisa.
“Não me entenda mal”, explicou Cidoni. “Eu tenho um iPod Touch, um celular, obviamente, e um computador”. Ele também possui cerca de 10 máquinas de escrever, que usa para fazer tarefas escolares e escrever cartas a – veja isto – velocidades de até 90 palavras por minuto. “Amo o feedback tátil, o som, a sensação das teclas por baixo dos dedos”, declarou.
Tom Furrier, proprietário da Cambridge Typewriter Co., em Massachusetts, vendeu diversas máquinas de escrever a Cidoni – e afirmou que estudantes colegiais e universitários se tornaram seus maiores clientes. “Eu ficava me perguntando: ‘O que esses garotos estão fazendo aqui?”‘, disse ele. “E isso só aumentou. Os jovens estão vindo e entrando em contato com as máquinas de escrever manuais”.
Em janeiro, Furrier alugou doze máquinas de escrever a Jen Bervin, de 39 anos, artista que ministrava um curso de uma semana sobre escrita criativa, em Harvard. Quando as aulas terminaram, numa sexta-feira, vários alunos imploraram a Bervin que ela voltasse ao longo do fim de semana para uma última sessão com as máquinas. “Todos ficaram extremamente agitados com aquilo”, afirmou ela. Quando contatada para uma entrevista, Bervin estava sentada no vagão-restaurante de um trem da Amtrak, onde datilografava em sua própria máquina, uma Gossen Tippa alemã da década de 1940.
E o que os antigos literários da verdadeira geração das máquinas de escrever pensam de tudo isso? “Para nós, ver uma nova geração se interessando nos faz sentir jovens de novo”, declarou Gay Talese, de 79 anos. Ele ainda usa uma máquina de escrever, embora elétrica – assim como seu amigo, Robert A. Caro, 75 anos, vencedor do Pulitzer que escreveu as biografias de Robert Moses e do presidente Lyndon B. Johnson. Eles discutiam a Smith Corona de Caro enquanto assistiam ao Super Bowl.
“Na verdade, não estou surpreso”, disse Caro, quando ouviu sobre o renascer das máquinas de escrever. Os prazeres tangíveis dessas máquinas são conhecidos dele há décadas. “Um dos motivos para datilografar é que isso me faz sentir mais próximo do meu texto”, explicou Caro. “É como ser um marceneiro, colocando as tábuas no lugar. É isso que deveríamos sentir”.
FONTE; New York Times
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