Segundo o policial militar João Dias Ferreira, o ministro Orlando Silva (Esporte) recebeu propina nas dependências do ministério
RODRIGO RANGEL
Da Veja
No ano passado, a polícia de Brasília prendeu cinco pessoas acusadas de desviar dinheiro de um programa criado pelo governo federal para incentivar crianças carentes a praticar atividades esportivas. O grupo era acusado de receber recursos do Ministério do Esporte por meio de organizações não governamentais (ONGs) e embolsar parte do dinheiro. Chamava atenção o fato de um dos principais envolvidos ser militante do Partido Comunista do Brasil (PC do B), ex-candidato a deputado e amigo de pessoas influentes e muito próximas a Orlando Silva, o ministro do Esporte. Parecia um acontecimento isolado, uma coincidência. Desde então, casos semelhantes pipocaram em vários estados, quase sempre tendo figuras do PC do B como protagonistas das irregularidades. Agora, surgem evidências mais sólidas daquilo que os investigadores sempre desconfiaram: funcionava dentro do Ministério do Esporte uma estrutura organizada pelo partido para desviar dinheiro público usando ONGs amigas como fachada. E o mais surpreendente: o ministro Orlando Silva é apontado como mentor e beneficiário do esquema.
Em entrevista à revista Veja o policial militar João Dias Ferreira, um
dos militantes presos no ano passado, revela detalhes de como funciona a
engrenagem que, calcula-se, pode ter desviado mais de 40 milhões de
reais nos últimos oito anos. Dinheiro de impostos dos brasileiros que
deveria ser usado para comprar material esportivo e alimentar crianças
carentes, mas que acabou no bolso de alguns figurões e no caixa
eleitoral do PC do B. O relato do policial impressiona pela maneira
rudimentar como o esquema funcionava. As ONGs, segundo ele, só recebiam
os recursos mediante o pagamento de uma taxa previamente negociada que
podia chegar a 20% do valor dos convênios. O partido indicava desde os
fornecedores até pessoas encarregadas de arrumar notas fiscais frias
para justificar despesas fictícias.
O militar conta que Orlando
Silva chegou a receber, pessoalmente, dentro da garagem do Ministério do
Esporte, remessas de dinheiro vivo provenientes da quadrilha: 'Por um
dos operadores do esquema, eu soube na ocasião que o ministro recebia o
dinheiro na garagem'. João Dias dá o nome da pessoa que fez a entrega.
Parte desse dinheiro foi usada para pagar despesas da campanha
presidencial de 2006.
O programa Segundo Tempo é repleto de boas
intenções. Porém, há pelo menos três anos o Ministério Público, a
Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União desconfiam de que
exista muita coisa além da ajuda às criancinhas. Uma das investigações
mais completas sobre as fraudes se deu em Brasília. A capital, embora
detentora de excelentes indicadores sociais, foi muito bem aquinhoada
com recursos do Segundo Tempo, especialmente quando o responsável pelo
programa era um político da cidade, o então ministro do Esporte Agnelo
Queiroz, hoje governador do Distrito Federal. Coincidência? A
investigação mostrou que não. A polícia descobriu que o dinheiro
repassado para entidades de Brasília seguia para entidades amigas do
próprio Agnelo, que por meio de notas fiscais frias apenas fingiam
gastar a verba com crianças carentes. Agnelo, pessoalmente, foi acusado
de receber dinheiro público desviado por uma ONG parceira. O soldado
João Dias, amigo e aliado político de Agnelo, controlava duas delas, que
receberam 3 milhões de reais, dos quais dois terços teriam
desaparecido, de acordo com o inquérito. Na ocasião, integrantes
confessos do esquema concordaram em falar à polícia. Contaram em
detalhes como funcionava a engrenagem. O soldado João Dias, porém,
manteve-se em silêncio sepulcral – até agora.
Na entrevista, o
policial afirma que, na gestão de Agnelo Queiroz no ministério, o
Segundo Tempo já funcionava como fonte do caixa dois do PC do B –e que o
gerente do esquema era o atual ministro Orlando Silva, então secretário
executivo da pasta.
Por nota, a assessoria do governador Agnelo
disse que as relações entre ele e João Dias se limitaram à convivência
partidária, que nem sequer existe mais.
O homem que o policial
aponta como o encarregado de entregar dinheiro ao ministro seria Célio
Soares Pereira, 30 anos, que era uma espécie de faz-tudo, de motorista a
mensageiro, do grupo que controlava a arrecadação paralela entre as
ONGs agraciadas com os convênios do Segundo Tempo. 'Eu dirigia e, quase
todo mês, visitava as entidades para fazer as cobranças', contou.
Casado, pai de seis filhos, curso superior de direito inconcluso, Célio
trabalha atualmente como gerente de uma das unidades da rede de
academias de ginástica que o soldado João Dias possui. Célio afirma que,
além do episódio em que entregou dinheiro ao próprio Orlando Silva,
esteve pelo menos outras quatro vezes na garagem do ministério para
levar dinheiro. 'Nessas vezes, o dinheiro foi entregue a outras pessoas.
Uma delas era o motorista do ministro', disse à Veja.
O relato
mais impressionante é de uma cena do fim de 2008. 'Eu recolhi o dinheiro
com representantes de quatro entidades aqui do Distrito Federal que
recebiam verba do Segundo Tempo e entreguei ao ministro, dentro da
garagem, numa caixa de papelão. Eram maços de notas de 50 e 100 reais',
conta.
Célio afirma que um dirigente do PCdoB, Fredo Ebling, era
encarregado de indicar a quem, quando e onde entregar dinheiro. 'Ele
costumava ir junto nas entregas. No dia em que levei o dinheiro para o
ministro, ele não pôde ir. Me ligou e disse que era para eu estar às 4 e
meia da tarde no subsolo do ministério e que uma pessoa estaria lá
esperando. O ministro estava sentado no banco de trás do carro oficial.
Ele abriu o vidro e me cumprimentou. O motorista dele foi quem pegou a
caixa com o dinheiro e colocou no porta-malas do carro', afirma.
Funcionário de carreira do Congresso Nacional, chefe de gabinete da
liderança do partido na Câmara dos Deputados, Fredo Ebling é um quadro
histórico entre os camaradas comunistas. Integrante da Secretaria de
Relações Internacionais do PCdoB nacional, ele foi candidato a senador e
a deputado por Brasília. Em 2006, conseguiu um lugar entre os primeiros
suplentes e, no final da legislatura passada, chegou a assumir por
vinte dias o cargo de deputado federal. João Dias diz que Fredo Ebling
era um dos camaradas destacados por Orlando Silva para coordenar a
arrecadação entre as entidades. O policial relata um encontro em que
Ebling abriu o bagageiro de seu Renault Mégane e lhe mostrou várias
pilhas de dinheiro. 'Ele disse que ia levar para o ministro', afirma.
Ebling nega. 'Eu não tinha esse papel', diz. O ex-deputado diz que
conhece João Dias, mas não se lembra de Célio.
A lua de mel do
policial com o ministério e a cúpula comunista começou a acabar em 2008,
quando passaram a surgir denúncias de irregularidades no Segundo Tempo.
Ele afirma que o ministério, emparedado pelas suspeitas, o deixou ao
léu. 'Eu tinha servido aos interesses deles e de repente, quando se
viram em situação complicada, resolveram me abandonar. Tinham me
prometido que não ia ter nenhum problema com as prestações de contas.' O
policial diz que chegou a ir fardado ao ministério, mais de uma vez,
para cobrar uma solução, sob pena de contar tudo. No auge da confusão,
ele se reuniu com o próprio Orlando Silva. 'O Orlando me prometeu que ia
dar um jeito de solucionar e que tudo ia ficar bem', diz. O ministro,
por meio de nota, confirma ter se encontrado com o policial. Diz que o
recebeu em audiência, mas nega que soubesse dos desvios ou de cobrança
de propina. 'É uma imputação falsa, descabida e despropositada.
Acionarei judicialmente os caluniadores', afirmou o ministro, em nota.
Em paralelo às investigações oficiais, João Dias respondeu por desvio
de conduta na corporação militar. A Polícia Militar de Brasília oficiou
ao ministério em busca de informações sobre os convênios. A resposta não
foi nada boa para o soldado: dizia que ele estava devendo 2 milhões aos
cofres públicos por irregularidades nas prestações de contas. João Dias
então subiu o tom das ameaças.
Em abril de 2008, quando foi
chamado à PM para dar satisfações e tomou conhecimento do ofício, ele
procurou pessoalmente o então secretário nacional de Esporte
Educacional, Júlio Cesar Filgueira, para tirar satisfação. O encontro
foi na secretaria. O próprio João Dias conta o que aconteceu: 'Eu fui lá
armado e dei umas pancadas nele. Dei várias coronhadas e ainda virei a
mesa em cima dele. Eles me traíram'. Júlio Filgueira, também filiado ao
PC do B de Orlando Silva, era responsável por tocar o programa. A
pressão deu certo: o ministério expediu um novo ofício à Polícia Militar
amenizando a situação de Dias. O documento pedia que fosse
desconsiderado o relatório anterior. A agressão que João Dias diz ter
cometido dentro da repartição pública passou em branco. 'Eles não
tiveram coragem de registrar queixa porque ia expor o esquema', diz o
soldado.
Indagado por Veja, o gabinete de Orlando Silva respondeu
que 'não há registro de qualquer agressão nas dependências do
Ministério do Esporte envolvendo estas pessoas'. O ex-secretário Júlio
Filgueira, que deixou o cargo pouco depois da confusão, confirma ter
recebido o policial, mas nega que tenha sido agredido. 'Ele estava
visivelmente irritado, mas essa parte da agressão não existiu', diz. A
polícia e o Ministério Público têm uma excelente oportunidade para
esclarecer o que se passava no terceiro tempo no Ministério do Esporte.
As testemunhas, como se viu, estão prontas para entrar em campo.
Ministro diz no twitter que matéria é 'farsa'
O ministro Orlando Silva está em Guadalajara (México) acompanhando os jogos Pan-Americanos.
Em seu Twitter, o ministro escreveu que daria na tarde de ontem (15) uma entrevista coletiva para desmentir a matéria.
Ele afirma ainda que o que foi dito pelo policial na reportagem seria
uma reação às medidas que tomou em relação às irregularidades no
programa Segundo Tempo.
"Repudio a farsa publicada em Veja. As
calúnias são reações às medidas que determinei para combater
irregularidades identificadas", disse o ministro através do microblog.
FONTE: Folha Online
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