Mais de um século depois da abolição
oficial da escravatura praticamente 40 mil pessoas foram libertadas em
todo o Brasil de trabalhos análogos à escravidão nos últimos seis anos.
Levantamento inédito da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil –
divulgado na última terça-feira (25), mostra que mais de 50% desta
população é composta por homens com até 30 anos e em sua maioria
migrante do Nordeste. 80% é de raça negra.
A análise foi realizada com a
finalidade de subsidiar políticas públicas que possibilitem avanços
para uma definitiva abolição do trabalho escravo por meio de projetos
que incluam ações de repressão e prevenção da escravidão no país. Os
resultados adquiridos servirão para orientar a elaboração de campanhas
educativas e para o controle do tráfico de trabalhadores submetidos à
escravidão contemporânea.
Os dados contribuirão ainda como base
para o desenvolvimento de estratégias de reinserção dos trabalhadores
resgatados em seus locais de origem. Serão pesquisadas alternativas
para oferta de trabalho e renda, mecanismos de acesso a terra e apoio
à agricultura familiar.
Denúncias - As
informações tiveram por base pesquisa realizada entre 2006 e 2007 nos
estados de Mato Grosso, Pará, Bahia e Goiás, que se encontram no topo
da lista de denúncias. De acordo com a Organização e o Ministério do
Trabalho e Emprego (TEM), 50% dos registros realizados entre os anos de
1995 e 2011 estavam concentrados no Pará. No mesmo período, Mato Grosso
registrou 30% das denúncias.
Para a OIT, os negros estão mais
vulneráveis a situações de trabalho escravo do que brancos devido à
situação de miséria a que, muitas vezes, estão expostos. A falta de
oportunidades em empregos decentes para pessoas que não possuem
qualquer qualificação profissional e a relativa fragilidade das redes
de proteção social as obriga a aceitarem condições precárias de
trabalho em locais onde sua dignidade e liberdade são violentadas.
O estudo aponta que a proporção de
negros em regime de escravidão encontrada foi significativamente maior
do que a observada no conjunto da população brasileira (50,3%) e até
mesmo nas regiões Norte (76,1%) e Nordeste (70,8%). Chama a atenção a
proporção de pretos entre os trabalhadores pesquisados (18,2%), um
percentual de 2,5 vezes superior ao encontrado na população brasileira
(6,9%), próxima apenas do índice encontrado na Bahia (15,7%), estado
com a mais alta proporção de pretos no Brasil.
Pesquisa de campo -
Durante o levantamento foi traçado o perfil dos principais atores
envolvidos com a escravidão contemporânea rural do Brasil. Foram
ouvidos pelos coordenadores do Grupo Móvel (GEFM) da OIT, 121
trabalhadores em 10 fazendas dos estados do Pará, Mato Grosso, Bahia e
Goiás. As equipes de trabalho foram compostas por auditores fiscais do
trabalho, procuradores, policiais federais e policiais rodoviários
federais.
Nas fazendas, as pessoas foram
encontradas alojadas em barracos improvisados com lonas, sem banheiros
ou com banheiros sem qualquer condição de higiene e funcionamento, sem
água potável e com alimentação de baixa qualidade, normalmente sem
carne. Os trabalhadores tinham rotina exaustiva de trabalho, não tinham
equipamentos de proteção e estavam expostos a produtos tóxicos, em
muitos casos, proibidos pela legislação brasileira.
Segundo o documento, ao chegarem no
emprego foram colocados em situação de devedores logo no primeiro dia.
“Recebem adiantamento, transporte e as despesas com alimentação que na
viagem já foram anotadas em um caderno de dívidas. Em casos extremos,
até mesmo o custo dos instrumentos de trabalho (foices, facões, moto
serras, entre outros) é anotado no caderno de dívidas do gato, bem como
as botas, luvas, chapéus e roupas”. Nessas condições e recebendo uma
média de R$ 6 por dia, esses trabalhadores dificilmente se libertarão
das mãos dos chamados empregadores.
Impressões – Apesar da
complexidade do problema da escravidão contemporânea, o Brasil é
considerado hoje uma referência na implementação de mecanismos de
combate à escravidão contemporânea. Para Laís Abramo, diretora do
escritório da OIT no país, a eficácia dessas ações se devem à
capacidade de articulação entre o governo brasileiro, a sociedade
civil, o setor privado e os organismos internacionais. “Contudo, ainda
há um longo caminho a ser percorrido para que o trabalho escravo seja
definitivamente erradicado no Brasil”, conclui.
redação Por Daiane Souza
Fundação Palmares
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