Acordei com uma avalanche de mensagens no Twitter. O motivo é a personagem Perséfone, uma enfermeira acima do peso, interpretada por Fabiana Kharla, na minha novela Amor à vida, da TV Globo. Aqui não costumo falar do meu trabalho em novelas. Desta vez, não resisti. A maioria dos tuiteiros pedia que eu mudasse o destino dela – embora, por estar no início da história, eu não tenha contado o que acontecerá. Uma mulher me escreveu uma longa carta dizendo que é gorda, sim, e sofre discriminação. É um assunto pouco discutido, mas real. Acredito que atualmente gordos são mais discriminados que os negros. Já vivi isso na pele, porque já fui praticamente obeso. Perdi vários quilos, continuo gordinho, mas nada como antes. Na época, era uma tortura entrar nas lojas. Perguntava:
– Posso experimentar aquela camisa ali?
A vendedora me lançava um olhar de alto a baixo e respondia, com um sorrisinho de desprezo:
– Não temos seu número.
E corria atender outro cliente – vendedor sempre quer se ver livre de quem não vai comprar.
Se eu já era cliente e a “extra large” não fechava no umbigo, o vendedor dava uma desculpa esfarrapada:
– É que esse modelo veio com corte slim.
Muitas vezes, pensei em entrar numa loja de camping e comprar uma barraca para usar como túnica.
Ainda mexem comigo por ser gordinho e ter barriga. Os tuítes recebidos fizeram-me refletir sobre a discriminação intensa com os gordos. A gordura sempre é encarada como desleixo. Alguém pode ter um problema hormonal ou de qualquer outro tipo. É visto como preguiçoso. Gula existe. Tenho vocação para gordo, porque gosto de comer. Um amigo obeso é capaz de comer um queijo inteiro antes do jantar. Existe a compulsão pela comida, que merece tratamento. Muitos magros sofrem da mesmíssima gulodice. Só que a genética, para eles, deu sorte. Há quem devore um leitão inteiro e não ganhe 1 quilo. Para outros, como eu, basta respirar que o ar já engorda!
Ser gordo virou crime. Um brigadeiro já dá sentimento de culpa. Outra noite, em seu programa, Jô Soares disse que o gordo é tão discriminado quanto o anão.
– O anão não alcança. O gordo não cabe.
Exemplificou com as poltronas de avião. O gordo senta e já está encaixado. Nem precisa de cinto de segurança. Ou pior:
– É impossível se virar dentro de um banheiro de avião! Se entra de frente, todo mundo já sabe que vai fazer xixi.
A gorda é sempre aquela que se torna a melhor amiga das outras garotas. Enquanto as outras se divertem com o sexo oposto, ela se afoga na rejeição. Um trauma. A gorda passa a vida tentando resolver, enquanto aumenta de peso ainda mais, de tanto comer doce para passar a ansiedade.
Às vezes, gostaria de ter nascido nos tempos de Buda. É o único gordo reverenciado, apesar da barriga.
O mundo atual exalta os magros. A anorexia, em vez de distúrbio, está se tornando virtude. Eu, que convivo no meio de atrizes e modelos, vejo moças esqueléticas. Quando assisti ao filme A troca, com Angelina Jolie, me senti até mal com sua magreza. Insistem que é a mulher mais bela do mundo!
Sutilmente, nos empregos, gordos perdem as vagas para magros. Hoje em dia, quando se convocam candidatos, não se fala tanto no quesito “boa aparência”. Mas ele está lá, presente na cabeça de quem contratará. O gordo tem de ser dez vezes melhor para ter sua chance. E, mesmo assim, olha lá. Gordo é contratado em academia? Como vendedor em loja de grife?
Obesidade pode ser uma questão de saúde. Ou de reeducação alimentar. Mas não pode se tornar um problema de rejeição social. Acima de tudo, obrigar as pessoas a se tornar magérrimas em nome de um conceito de beleza, não é estranho?
E o pior: muitos gordos passam a acreditar que jamais serão amados. Quando encontram alguém, agem como se estivessem recebendo um favor. Os homens têm mais sorte. Mulheres gordas convivem demais com a rejeição. O lado mais cruel dessa rejeição é que ela se torna piada. Dois rapazes se encontram, um diz, espantado:
– Você saiu com a gordinha?
– Fiz uma caridade.
A exigência de magreza se tornou opressiva. Ser gordo virou um anátema. É mais um preconceito, entre os muitos de nossos tempos. E a personagem de Fabiana Kharla, que inspirou este texto? Ahhh... prometo surpresas, mas não conto o final da novela. Garanto: um dia as gordinhas me agradecerão.
Walcyr Carrasco / Revista Época
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