O Diário Oficial da União traz na
edição desta segunda-feira (31) a publicação do decreto nº 7.592, que
suspende por 30 dias os repasses de verbas a organizações não
governamentais. Embora o governo proponha uma devassa em todos os
convênios assinados com a União até o dia 16 de setembro, na prática,
porém, pode ter criado mais impasses do que soluções.
Segundo o documento, as entidades têm 30 dias para atestar a
regularidade do convênio, contrato de repasse ou termo de parceira. Caso
isso não ocorra, será dado mais 60 dias para a entidade sanear os
problemas ou devolver o dinheiro. Um tempo considerado irreal para
especialistas ouvidos pelo redeGIFE, pois o volume de documentos
colapsará as instância de avaliação das pastas e abrirá espaço para
processos sem transparência, na contramão do que o governo diz querer.Na visão do advogado, especialista na área social, Eduardo Szazi, a experiência mostra que o prazo não será cumprido e o decreto resultará em suspensão de transferência de recursos por prazo indeterminado. E essa é sua opinião “na melhor das hipóteses”.
Há diversos fatores que explicam o
pessimismo, de acordo com Szazi. O primeiro é que a avaliação de
regularidade, no modelo costumeiro de operação, se dá a partir de
relatórios de prestação de contas – o que será improvável fazer em um
prazo de 30 dias. “Não vejo outra forma para a burocracia fazer tal
avaliação, ainda mais quando está acuada pelas denúncias e com medo de
ações de improbidade”, argumenta.
Em um segundo ponto, como os ministérios não fazem visitas ‘in loco’, a avaliação
demandará ofício a todas as entidades para que apresentem prestações de contas parciais. Por isso, mesmo que enviem os documentos no prazo fixado, o tempo será insuficiente para
a avaliação dos Ministérios.
demandará ofício a todas as entidades para que apresentem prestações de contas parciais. Por isso, mesmo que enviem os documentos no prazo fixado, o tempo será insuficiente para
a avaliação dos Ministérios.
“O aumento do volume de prestações de contas levará ao congestionamento
do sistema de avaliação, fato observado, por exemplo, quando do
recadastramento de entidades estrangeiras, que eram em número muito
menor e tinham pacotes documentais muito mais simples, pois não usavam
recursos governamentais”, esclarece.
A diretora executiva da Associação Brasileira de Organizações
Não-Governamentais (Abong), Vera Masagão, acredita que a medida é
irresponsável, pois joga na irregularidade as entidades, sejam elas boas
ou más. “Presume-se que sejam culpadas até que se provem inocentes. É
uma maioria pagando pelos crimes cometidos por algumas organizações
coniventes a políticos corruptos”, alega.
Segundo ela, a desorganização completa dos sistemas de avaliação do
governo, somada ao curto prazo e à imprecisão do documento criará
processos cujo período de trâmite será imprevisível. “E o que acontecerá
com as organizações consideradas, no fim, idôneas? Os repasses voltarão
ao normal, mas e as multas, os problemas criados pela falta de
pagamento?”, questiona.
Outra crítica feita ao decreto é a possibilidade que ele dá ao aumento
do ‘tráfico de influências’ nos gabinetes ministeriais, pois, afinal,
algumas entidades poderão ter os seus recursos liberados antes, se suas
prestações de contas forem apreciadas primeiro. “O procedimento
escolhido pelo decreto, infelizmente, pode acabar reforçando a conduta
que sempre deu azo aos fatos que levaram à própria suspensão das
transferências de recursos”, afirma Szazi.
Critérios e dispositivos que estimulem a transparência nas relações do
governos com a sociedade civil organizada, como se vê, também passaram
longe do decreto.
O documento também peca por sua de fragilidade sistêmica. Se ele
prevê que a retomada das transferências depende de decisão ‘devidamente
fundamentada e precedida por parecer técnico que ateste a regularidade
da execução do convênio, contrato de repasse ou termo de parceria
avaliado’, porque não avançar no detalhamento da exigência de tal
parecer no processo de escolha da entidade?
O secretário-geral do GIFE, Fernando Rossetti, acredita que os grandes
afetados pelo imbróglio são os beneficiários dos projetos. ”Os casos que
levaram a essa reação (que culminaram com a saída de Orlando Silva do
ministério do Esporte) não devem ser encarados como regra, já que não
refletem o diverso trabalho realizado pelas organizações sociais. O
corruptor nesse caso é o Estado, que criou canais para que isso
ocorresse”, critica.
Em tempo: O texto do decreto relaciona três situações em que não se
aplica a suspensão por 30 dias dos pagamentos: programas de proteção a
pessoas ameaçadas ou em risco de segurança; entidades que mantenham
convênio, contrato ou parceria regulares e com prestações de contas
aprovadas há pelo menos cinco anos; e transferências do Ministério da
Saúde para serviços de saúde que integram o Sistema Único de Saúde
(SUS).
Movimento
Em resposta ao decreto, as entidades que compõem o Comitê Facilitador da Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil, entre elas a Abong e o GIFE, divulgaram uma carta aberta à presidente Dilma Roussef. Nela, lembram que a presidente, ainda como candidata, assinou a plataforma.
Com o gesto, ela assumiu um compromisso
que envolve uma articulação inédita entre redes, movimentos e
organizações sociais diversas sob uma mesma bandeira. Mais do que uma
relação harmônica com o Governo, o documento exige um compromisso
público, inserido em uma agenda política, para o desenvolvimento de uma
política de Estado para o campo social.
No momento da assinatura foi enfática: “assumo o compromisso de, já no
início do nosso governo, constituir Grupo de Trabalho composto por
representações das OSCs e Governo, que possam expressar a diversidade de
temas e interesses na esfera pública, sob liderança da Secretaria Geral
da Presidência da República, com o objetivo de elaborar, no prazo
máximo de um ano, uma proposta de legislação que atenda de forma ampla e
responsável, as necessidades de aperfeiçoamento que se impõem.”
Segundo o Portal da Transparência de 2010, das 232,5 bilhões de
transferências voluntárias do governo federal, 5,4 bilhões destinaram-se
a entidades sem fins lucrativos de todos os tipos, incluídos partidos
políticos, fundações de universidades e o Instituto Butantã, por
exemplo. Foram 100 mil entidades beneficiadas, 96% delas por
transferências de menos de 100 mil reais.
“Se juntarmos todas as denúncias contra ONGs publicadas na imprensa
nos últimos 24 meses, as entidades citadas não passariam de 30, o que
nos leva crer que além de desnecessária, a suspensão generalizada de
repasses poderia constituir medida arbitrária e de legalidade
questionável, que criminaliza a sociedade civil organizada”, anuncia a
carta.
Saiba mais sobre a Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil no novo site da iniciativa. Saiba também como aderir à causa.
Saiba mais sobre a Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil no novo site da iniciativa. Saiba também como aderir à causa.
publicado originalmene em gife online
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