Mariana Lenharo - Jornal da Tarde
SÃO
PAULO - O protozoário Trypaniosoma cruzi, causador da doença de
Chagas, pode ser a nova arma da medicina contra o câncer. Pesquisadores
brasileiros conseguiram criar uma vacina contra a doença usando uma
variação do micro-organismo incapaz de desencadear a patologia
(não-patogênico). Os resultados da pesquisa acabam de ser publicados
pela revista científica americana PNAS, uma das mais importantes do
mundo.
No artigo, os brasileiros relatam sucesso em experimentos
com camundongos para prevenção e tratamento de melanoma, um tipo de
câncer de pele. Além disso, os cientistas testaram o Trypanosoma em
células humanas in vitro e comprovaram sua capacidade de provocar
respostas imunológicas adequadas contra alguns tipos de tumor.
O
estudo reuniu cientistas do Centro de Pesquisas René Rachou
(CPQRR-Fiocruz), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do
Instituto Ludwig, em Nova York. Para analisar a ação do protozoário, os
brasileiros realizaram uma modificação genética, criando um
microrganismo capaz de produzir a mesma molécula fabricada por células
tumorais: o antígeno NY-ESO-1.
O mecanismo que explica a ação do
Trypanosoma é o seguinte: quando o organismo inicia o combate ao
protozoário, entra em contato com a molécula tumoral, que passa a ser
vista pelo sistema imune como indicador de células com o protozoário.
Induzidas, as defesas do organismo passam a destruir as células com a
molécula tumoral como se lutassem apenas contra o Trypanosoma.
Como o protozoário da doença de Chagas tende a permanecer de forma
crônica no corpo, o agente transgênico poderia garantir um estado de
alerta contínuo contra o câncer, que duraria anos.
“É um avanço
importante”, analisa o oncologista do Instituto do Câncer do Estado de
São Paulo (Icesp), Gilberto de Castro Junior. “É uma grata surpresa ver o
grupo de imunologia da UFMG, já muito tradicional, publicar em uma
revista tão importante como a PNAS”, completa. Segundo ele, o aspecto
mais inovador da pesquisa foi usar um parasita que causa uma doença em
humanos para infectar células e induzir a resposta contra os tumores.
Coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Vacinas e
um dos autores do trabalho, Ricardo Gazzinelli afirma que, antes de
iniciar testes clínicos em humanos, será preciso vencer a resistência em
usar um parasita transgênico no combate à doença. Agora, o grupo
iniciará testes em modelos mais próximos de humanos. “Testaremos em
modelos de melanoma em cachorros”, diz.
Atualmente, segundo
Castro Junior, a única vacina em estágio avançado de pesquisa é uma
opção contra o câncer de próstata, cujos resultados foram publicados
neste ano pela revista científica Nature Medicine. O objetivo dos
pesquisadores, afirma, é chegar a uma vacina “que previna contra todos
os tipos de câncer.”
Tumores mais letais são menos
investigados
A vacina contra o melanoma é a mais
pesquisada no mundo na área oncológica, com 40 testes clínicos em
andamento, segundo estudo publicado na quinta-feira passada pela
Universidade de Michigan, nos EUA. Os autores do artigo criticam o
critério usado para definir as prioridades ligadas às vacinas
anticâncer: ao escolherem o tipo de tumor, os laboratórios usam como
guia o número anual de casos, e não a taxa de mortes que provocam. Entre
os tipos mais letais, inclusive no Brasil, estão os tumores de pulmão,
mama e estômago.
Segundo os pesquisadores, a estratégia pode
limitar os benefícios aos pacientes: ter uma vacina contra um câncer
curável é menos vantajoso do que obter soluções para tumores mais
letais. Matthew Davis, da Universidade de Michigan, diz que hoje existem
cerca de 230 ensaios clínicos para vacinas, contra 13 tipos de câncer.
“A falta de conexão entre o desenvolvimento de vacinas e as mortes por
câncer significa que essas vacinas podem não servir da melhor forma às
necessidades dos pacientes de amanhã.”
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