quinta-feira, 14 de agosto de 2025

O fogo apaga o verde, mas sua atitude acende a vida

O sol de agosto estava impiedoso. No sertão maranhense, parecia que o céu havia descido para assar a terra. O chão, rachado, deixava escapar um pó fino, e o cheiro de fumaça se misturava ao vento seco, denunciando que em algum lugar, não muito longe dali, a vegetação ardia.

No povoado de Pedra Preta, na zona rural de Arame, três figuras se encontravam sob o abrigo minguado de um pé de juçara, cuja copa magra projetava uma sombra tão rala que era mais lembrança do que alívio.

Seu Avelino, mãos calejadas e pele curtida pelo sol, olhava para o horizonte como quem lê um livro antigo.
— Vocês falam muito de novidade, mas o que eu sei aprendi com meu pai e com o pai dele. Sempre foi assim: o fogo limpa, renova e faz nascer o pasto. Queimar é parte da vida na roça. Um terreno queimado hoje é capim verdinho amanhã.

Miguel, o professor da única escola do povoado, ajeitou os óculos e respondeu com a voz calma, mas carregada de firmeza.
— Seu Avelino, não é mais como no tempo do seu pai. O clima mudou. O Maranhão está entre os estados que mais registram focos de calor na Amazônia Legal. Só este mês, já são mais de 4 mil detectados por satélite. Isso não é manejo, é incêndio fora de controle. O calor excessivo seca o solo, mata microrganismos essenciais e deixa a terra menos fértil.

Raimundinho, técnico de agroecologia, interveio.
— O professor tem razão numa parte, e o senhor também, Seu Avelino. O fogo, quando usado de forma controlada, no momento certo, pode ajudar no manejo da vegetação, reduzindo material inflamável e evitando incêndios maiores. É o que chamamos de Manejo Integrado do Fogo. O problema é que, na prática, quase ninguém segue as regras. A queimada ilegal acontece em plena seca, com vento forte, e vira desastre.

O vento que passava parecia concordar. Trouxe com ele uma cortina fina de fumaça, cobrindo o céu de um cinza triste. Ao longe, uma linha laranja tremeluzia — o sinal claro de que outro pedaço do cerrado maranhense estava sendo devorado.

— Mas como é que a gente vai plantar sem queimar? — insistiu Seu Avelino, a voz carregando mais dúvida do que resistência. — O mato toma conta, o solo endurece…

Miguel apontou para o chão, onde brotava timidamente uma muda de ipê, plantada por seus alunos.
— É aqui que entram os viveiros de mudas. Árvores ajudam a manter a umidade, protegem o solo e trazem de volta os animais. Com projetos de produção sustentável, como agrofloresta e plantio direto, é possível cultivar sem destruir. O verde não volta da noite para o dia, mas sem plantar, ele nunca volta.

Raimundinho completou, abrindo o celular para mostrar fotos.
— Tem propriedade no interior que já faz isso. Plantam milho, feijão e mandioca em consórcio com árvores nativas. Usam cobertura vegetal para manter a umidade e, quando queimam, é só em pequenas faixas, na época certa e com brigadistas por perto. Resultado: produtividade alta e menos impacto ambiental.

O barulho seco de galhos estalando chegou até eles. Era o som do fogo mastigando o mato, invisível, mas presente. No dia seguinte, equipes do Corpo de Bombeiros e de brigadas voluntárias estariam na área, com abafadores, sopradores e mochilas costais, combatendo as chamas que avançavam sem pedir licença.

Raimundinho mostrou fotos no celular:

— Aqui, ó. Essa propriedade em Lago do Junco planta milho, mandioca e feijão junto com espécies nativas. O produtor quase não usa fogo. E quando usa, é só pra limpar um trecho pequeno, de forma controlada. A produção aumentou e ele ainda vende madeira de reflorestamento legalizada.

Miguel, ao fim da tarde, entrou na sala da escola e escreveu na lousa, em letras grandes:

"O fogo apaga o verde, mas sua atitude acende a vida."

Esta frase de efeito copiara do Programa Maranhão sem Queimadas e utilizou como tema gerador das aulas da semana. 

Ao olhar pela janela, viu o céu tingido de laranja pelo pôr do sol e pelo reflexo distante das chamas. Sabia que convencer Seu Avelino seria um processo lento, como o crescimento de uma muda no solo árido, mas também sabia que até a maior das florestas começa com uma semente , e a conversa daquele dia talvez tivesse plantado uma.

Na madrugada, enquanto o silêncio do povoado era cortado por um vento quente, cada um deles sonhou com um Maranhão onde o calor viesse apenas do sol e não das labaredas que roubam o verde e a vida.

José Casanova

Professor. Jornalista,  Escritor e Cronista 

Membro da Academia Bacabalense de Letras 

Academia Mundial de Letras da Humanidade 

Tutor da Academia Marahense de Letras Infantojuvenil 

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