segunda-feira, 25 de agosto de 2025

CRÔNICA DO DIA: Acidente Vascular Cerebral

 

Eu estava na segunda fileira, caderno aberto e caneta na mão. O auditório da Universidade de Bacabal estava cheio, e a sensação era de que todos aguardavam algo especial. Afinal, não era todo dia que o professor doutor Augusto Cabalau, referência em neurologia, vinha à nossa universidade.

Estudantes de medicina, enfermeiros, psicólogos e curiosos ocupavam cada fileira de cadeiras azuis, aguardando o início da palestra do Neurologista renomado, pesquisador respeitado e autor de livros referência, Augusto era conhecido também por sua habilidade rara: transformar ciência em narrativa, sem perder a precisão dos dados.

O cheiro de café perfumava o ambiente emquanto o barulho da chuva lá fora trazia o aroma de terra molhada. No palco, ele ajeitou os óculos, respirou fundo e se aproximou do microfone. Ele começou a palestra com a firmeza de sempre.

- Boa noite, meus amigos. Hoje falaremos sobre um tema que, infelizmente, não está apenas nos livros, mas também nas estatísticas: o Acidente Vascular Cerebral, o AVC.

 Enquanto projetava os primeiros slides, sua fala desenhava números e conceitos com clareza: o AVC é uma das principais causas de morte no Brasil e também de incapacidades permanentes. Explicava que a doença se divide em dois tipos: o isquêmico, quando há obstrução de um vaso, e o hemorrágico, quando ocorre o rompimento.

Explicava os números assustadores do Acidente Vascular Cerebral, os tipos, os sintomas. A clareza dele impressionava, parecia que transformava dados em histórias.

De repente, percebi algo estranho. O professor levou a mão à cabeça, como quem tenta afastar uma tontura. Sua voz falhou, o controle escorregou dos dedos. O sorriso que ele tentou esboçar veio torto. e desfez em uma assimetria dolorosa de assistir. Tentou prosseguir:

- Os sintomas… são… -  As palavras saíram enroladas.

-  Professor, está tudo bem?  - Ouvi uma colega perguntar, a voz carregada de susto.

Dois alunos ajudaram a apoiar o professor, que, sentado na beira do palco, lutava contra a confusão.

- Professor, me escuta? Consegue apertar minha mão?  Perguntou um deles.

- Hhh…  - Augusto tentou articular, mas a fala estava comprometida.

O silêncio tomou conta do auditório. A cena que até então era apenas teoria nos livros se materializava diante de nós. Uma residente correu para o palco e diagnosticou em voz alta:

-  É um AVC! Precisamos agir rápido!

Corremos para ajudá-lo. Eu mesmo segurei sua mão.

-  Professor, aperta aqui! Consegue me ouvir?

Ele tentou falar, mas a voz veio arrastada, quase incompreensível. Aquilo me gelou por dentro. O mestre que sempre falara sobre rapidez no atendimento agora dependia dela para sobreviver.

Enquanto a ambulância era chamada, meus olhos caíram no telão. O último slide permanecia lá, parado, como uma ironia cruel:

“Prevenção: controlar a pressão, alimentação saudável, exercícios, evitar cigarro e álcool.”

Era como se o professor continuasse a nos dar aula, mesmo sem voz.

Quando a equipe de resgate chegou, o silêncio no auditório foi cortado pelo barulho da maca sendo movimentada. Vi o professor sair pela porta, e confesso que me senti pequeno diante da fragilidade humana.

No hospital, passou pelo protocolo de atendimento. Tomografia, exames, medicação adequada. Foi estabilizado. A notícia trouxe alívio a todos: não havia sequelas graves.

Dias depois, para nossa surpresa, ele voltou. Entrou no mesmo auditório, um pouco mais lento, mas vivo, firme, corajoso. A fala estava mais lenta, mas firme. Ao entrar, foi recebido de pé, com aplausos que misturavam emoção e respeito.

-  Eu vivi na pele o que sempre ensinei. - Disse, pausadamente. -  O AVC não escolhe hora, nem lugar. Eu que o diga., mas prevenir é escolha nossa. Esse é o maior aprendizado que posso deixar a vocês. Guardem isso.

O auditório permaneceu em silêncio por alguns segundos, até que os aplausos explodiram, mais intensos que antes. E naquela noite, cada estudante saiu dali com a certeza de que aprendera mais do que técnicas ou estatísticas. Aprendera sobre fragilidade, urgência e cuidado.

O professor tinha razão: às vezes, a vida escreve suas lições com letras de susto.

Naquele momento, percebi que não era apenas medicina que estávamos aprendendo. Era sobre a vida, sobre limites, sobre responsabilidade com o próprio corpo. Foi a aula mais dura e, ao mesmo tempo, a mais verdadeira que já tive.

José Casanova
Professor, Jornalista, Escritor e Cronista membro da
Academia Bacabalense de Letras
Academia Mundial de Letras da Humanidade
Tutor da Academia Maranhense de Letras Infantojuvenil

 

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