segunda-feira, 25 de agosto de 2025

CRÔNICA DO DIA: Quando as Palavras pegam fogo

 

Na praça da Família de Alto Alegre do Maranhão, debaixo da sombra de um velho pé de manga rosa, seu Djalma e Dona Zefinha discutiam como sempre. Não era briga, era só o jeito deles: falavam em tom de novela mexicana, cheio de drama e exagero.

Todo dia seu Djalma chegava primeiro,  sentava no banco e parecia está absorto,  pensando na morte da bezerra. Bastava Zefinha chegar pra começar os dois dedos de prosa de sempre.

-  Pois eu digo, Zefinha, eu ponho a mão no fogo por esse meu sobrinho, ele é trabalhador demais!  -  Garantiu Seu Djalma, estufando o peito.

Dona Zefinha arregalou os olhos, abanando-se com o leque  florido:

-  Oxente, Djalma! Tu tá é doido! Nessa quentura de meio-dia e ainda quer botar a mão no fogo? Vai era ficar sem dedo!

O rapazinho Carlinhos, que estuda na Escola Santa Mônica escutava a conversa, caiu na risada.

- Dona Zefinha, isso é só jeito de falar...

Ela retrucou, indignada:

-Jeito de falar? Pois se eu não entendo essas falas tortas de vocês, fico logo de cabelo em pé!

E ficou mesmo: o vento soprou, arrepiando-lhe a cabeleira desgrenhada.

Na outra ponta do banco, Seu Raimundo, o mais calado da turma, resolveu meter o bedelho:

- Vocês deviam era ficar de olho nesse negócio de expressão. Dia desses a professora do EJAI pediu pra escrever uma redação com “tirar o cavalo da chuva”. Pensei logo: que maldade com o bichinho, coitado do cavalo todo ensopado...

Carlinhos gargalhou.

-Mas, Seu Raimundo, não tem nada a ver com bicho, não! Quer dizer desistir, largar de mão.É apenas uma expressão idiomárica. - Explicou Carlinhos com a corda toda.

-Ah, então quando minha mulher diz “tira o cavalo da chuva que hoje não tem futebol”, é isso? - Perguntou ele, surpreso.

- Exatamente! - Confirmou Carlinhos, rindo. -  É pra o senhor nem insistir.

Dona Zefinha bateu palmas, animada:

- Tá vendo? Eu fico de boca aberta com essas descobertas!

Seu Djalma aproveitou a deixa e emendou:

- Boca aberta? Fecha logo, mulher, senão entra mosquito!

Foi uma gargalhada geral. Até Dona Zefinha, entre resmungos, não segurou o riso.

Enquanto a conversa corria solta, apareceu Toninha, a vizinha fofoqueira da rua do Tucum carregando sacolas da feira e botou a boca no trombone:

-  Ô gente, vocês já souberam da confusão lá no mercado? Zé Grandao chutou o balde com o fiscal, disse que não ia pagar taxa nenhuma!

-Ave Maria! - Exclamou Dona Zefinha. - Chutou o balde, foi? E derramou o quê? Água? Leite?

Carlinhos não aguentou.

- Não, Dona Zefinha! A senhora está viajando na maionese . Quer dizer que ele perdeu a paciência, se revoltou!

Seu Djalma, fingindo ser professor, ajeitou os óculos no nariz:

-Olha, Zefinha, cada expressão é um jeito danado de brincar com as palavras. Quando a gente fala “com a corda no pescoço”, não é que tem alguém enforcado, não. É só pra dizer que a pessoa tá numa situação difícil, devendo, apertada.

Zefinha coçou a cabeça.

- Então por isso que a Prefeita vive dizendo que tá com a corda no pescoço... É dívida pra todo lado!  Toda hora um puxa saco pedinado as coisas.

E todos riram de novo.

No fim da tarde, o sol já se escondia atrás dos telhados. Carlinhos, que não perdia a chance de inventar moda, concluiu a reunião filosófica da praça:

-Sabem de uma coisa? Essas expressões são igual conversa de vizinho: nunca é ao pé da letra, mas todo mundo entende.

Dona Zefinha olhou séria, pensativa, e decretou:

-Pois eu vou usar mais delas, porque ficar calada não é comigo. Agora, Djalma, põe a mão no fogo: amanhã quero meu café quentinho!

E foi embora rindo sozinha, deixando Seu Djalma de olhos arregalados, “com a corda no pescoço” e a turma inteira às gargalhadas.

José Casanova

Professor, Jornalista, Escritor e Crônista

Membro da Academia Bacabalense de Letras

Academia Mundial de Letras da Humanidade

Tutor da Academia Maranhense de Letras Infantojuvennil

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