Na praça da Família de Alto Alegre do Maranhão, debaixo da sombra de um velho pé de manga rosa, seu Djalma e Dona Zefinha discutiam como sempre. Não era briga, era só o jeito deles: falavam em tom de novela mexicana, cheio de drama e exagero.
Todo dia seu Djalma chegava primeiro, sentava no banco e parecia está absorto, pensando na morte da bezerra. Bastava Zefinha chegar pra começar os dois dedos de prosa de sempre.
- Pois eu digo, Zefinha, eu ponho a mão no fogo por esse meu sobrinho, ele é trabalhador demais! - Garantiu Seu Djalma, estufando o peito.
Dona Zefinha arregalou os olhos, abanando-se com o leque florido:
- Oxente, Djalma! Tu tá é doido! Nessa quentura de meio-dia e ainda quer botar a mão no fogo? Vai era ficar sem dedo!
O rapazinho Carlinhos, que estuda na Escola Santa Mônica escutava a conversa, caiu na risada.
- Dona Zefinha, isso é só jeito de falar...
Ela retrucou, indignada:
-Jeito de falar? Pois se eu não entendo essas falas tortas de vocês, fico logo de cabelo em pé!
E ficou mesmo: o vento soprou, arrepiando-lhe a cabeleira desgrenhada.
Na outra ponta do banco, Seu Raimundo, o mais calado da turma, resolveu meter o bedelho:
- Vocês deviam era ficar de olho nesse negócio de expressão. Dia desses a professora do EJAI pediu pra escrever uma redação com “tirar o cavalo da chuva”. Pensei logo: que maldade com o bichinho, coitado do cavalo todo ensopado...
Carlinhos gargalhou.
-Mas, Seu Raimundo, não tem nada a ver com bicho, não! Quer dizer desistir, largar de mão.É apenas uma expressão idiomárica. - Explicou Carlinhos com a corda toda.
-Ah, então quando minha mulher diz “tira o cavalo da chuva que hoje não tem futebol”, é isso? - Perguntou ele, surpreso.
- Exatamente! - Confirmou Carlinhos, rindo. - É pra o senhor nem insistir.
Dona Zefinha bateu palmas, animada:
- Tá vendo? Eu fico de boca aberta com essas descobertas!
Seu Djalma aproveitou a deixa e emendou:
- Boca aberta? Fecha logo, mulher, senão entra mosquito!
Foi uma gargalhada geral. Até Dona Zefinha, entre resmungos, não segurou o riso.
Enquanto a conversa corria solta, apareceu Toninha, a vizinha fofoqueira da rua do Tucum carregando sacolas da feira e botou a boca no trombone:
- Ô gente, vocês já souberam da confusão lá no mercado? Zé Grandao chutou o balde com o fiscal, disse que não ia pagar taxa nenhuma!
-Ave Maria! - Exclamou Dona Zefinha. - Chutou o balde, foi? E derramou o quê? Água? Leite?
Carlinhos não aguentou.
- Não, Dona Zefinha! A senhora está viajando na maionese . Quer dizer que ele perdeu a paciência, se revoltou!
Seu Djalma, fingindo ser professor, ajeitou os óculos no nariz:
-Olha, Zefinha, cada expressão é um jeito danado de brincar com as palavras. Quando a gente fala “com a corda no pescoço”, não é que tem alguém enforcado, não. É só pra dizer que a pessoa tá numa situação difícil, devendo, apertada.
Zefinha coçou a cabeça.
- Então por isso que a Prefeita vive dizendo que tá com a corda no pescoço... É dívida pra todo lado! Toda hora um puxa saco pedinado as coisas.
E todos riram de novo.
No fim da tarde, o sol já se escondia atrás dos telhados. Carlinhos, que não perdia a chance de inventar moda, concluiu a reunião filosófica da praça:
-Sabem de uma coisa? Essas expressões são igual conversa de vizinho: nunca é ao pé da letra, mas todo mundo entende.
Dona Zefinha olhou séria, pensativa, e decretou:
-Pois eu vou usar mais delas, porque ficar calada não é comigo. Agora, Djalma, põe a mão no fogo: amanhã quero meu café quentinho!
E foi embora rindo sozinha, deixando Seu Djalma de olhos arregalados, “com a corda no pescoço” e a turma inteira às gargalhadas.
Professor, Jornalista, Escritor e Crônista
Membro da Academia Bacabalense de Letras
Academia Mundial de Letras da Humanidade
Tutor da Academia Maranhense de Letras Infantojuvennil







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