Estou no Centro Cultural, mas precisamente no Luizão, O relógio do centenário pisca 23h59s, e o mundo parece segurar o fôlego. Há algo mágico e trágico na contagem regressiva que nos lança do “agora” para o “daqui a pouco”. Taças são erguidas, promessas sussurradas entre o estouro de fogos, e um coro de "Feliz Ano Novo" preenche os minutos iniciais do recomeço. Mas, para além do brilho artificial no céu, o réveillon é um caleidoscópio de sentimentos – esperança, dúvida, alívio e aquela pontada incômoda de incerteza.
Os falsos
amigos, sempre eles, reaparecem em mensagens no WhatsApp que você não pediu, mas recebe
como se fossem plantadas por um algoritmo sarcástico. “Que seu ano seja
incrível!”, escreve aquele que, meses atrás, esqueceu seu nome ou virou o rosto
na rua. Há algo quase teatral nesses desejos automáticos, como se a virada de
ano fosse um passe livre para a hipocrisia cordial.
E tem os
amores mal resolvidos. Ah, esses são especialistas em ressurgir nessa época.
Uma foto nas redes sociais, um áudio na madrugada ou um olhar perdido durante a
festa, e lá está você, se perguntando se o passado merece mais uma chance. Mas
é Réveillon, e o coração, vulnerável como está, às vezes confunde nostalgia com
destino.
A
esperança de dias melhores é a convidada de honra. Chega vestida de branco,
traz uma lista interminável de “vai ser diferente” e se senta ao lado da
paciência. Queremos saúde, paz, e, se possível, um emprego novo. Para muitos, o
trabalho é uma constante – a rotina que se repete, o salário que mal cobre os
sonhos. Para outros, há a expectativa de algo novo, de um propósito que
finalmente se alinhe com o que a alma pede.
Mas a
verdade é que, para muitos, o ano novo não vem com mudanças drásticas. O
continuísmo reina. Os problemas não sabem ler calendário, e os boletos, mais
pontuais que nossos próprios desejos, chegam sem cerimônia. O primeiro dia do
ano é apenas o próximo capítulo de uma história que já está em andamento, ainda
sem plot twist aparente.
E, no
entanto, celebramos. Porque o Réveillon é uma das poucas noites em que o
coletivo acredita. Acredita que algo pode mudar, mesmo que não mudemos nada.
Entre os abraços verdadeiros e os sorrisos ensaiados, há um instante em que
tudo parece possível – aquele momento exato em que os fogos explodem e o céu
reflete o que desejamos ser: brilhos intensos, mesmo que por poucos segundos.
Então
brindemos, não pela perfeição de um novo ano, mas pela coragem de continuar.
Porque, no fundo, a virada do ano é isso: um salto de fé no desconhecido, com a
bagagem do que fomos e a leveza do que esperamos ser. E que venham os falsos
amigos, os amores mal resolvidos, os sonhos grandes e os pequenos passos. O
tempo é uma invenção humana, mas a esperança – essa, meu caro – é tão antiga
quanto o próprio mundo.
Por José Casanova
Professor, Jornalista e Escritor
Membro da Academia Bacabalense de Letras
Academia Mundial de Letras da Humanidade
Tutor da Academia Maranhense de Letras
Infantojuvenil
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