Era uma tarde comum no centro da cidade de Bacabal. A pressa das pessoas, o sol escorrendo entre os prédios, e um menino sentado no banco da praça Silva Neto com um livro aberto — desses que a gente lê com mais o coração do que com os olhos.
Jonas, 13 anos, pele escura como o café forte que sua avó fazia, lia Machado de Assis. Estava absorto, quando ouviu:
— Esse livro é seu mesmo? — perguntou uma senhora, franzindo o cenho, como quem encontra algo fora do lugar.
Ele levantou os olhos, surpreso.
— É sim, ganhei da minha professora. Gosto de ler.
Ela hesitou, os olhos percorrendo a capa gasta, depois o rosto do menino.
— Achei... curioso. É que não é muito comum ver um menino... assim... lendo esse tipo de coisa.
Jonas sorriu, sem entender muito bem.
— Assim como?
— Bom... você sabe — ela respondeu, baixando a voz. — Negros, normalmente, preferem música, dança... essas coisas.
Foi quando uma moça, que havia escutado o diálogo do banco ao lado, se levantou. Parda, olhos firmes, voz serena.
— Desculpa interromper, senhora. Mas o que exatamente a cor da pele tem a ver com o que se lê?
A mulher ficou sem graça, como quem foi pega dizendo algo que já considerava natural.
— Não quis ofender. É só que... é raro.
— Não é raro. É invisível. Porque quando vocês veem um menino negro com um livro, acham que tem algo errado. Mas se ele estivesse empinando pipa ou vendendo bala, seria “normal”, né?
Silêncio.
Jonas olhou para a moça, depois para o livro. Fechou devagar.
— Tudo bem — disse, educado, mas com os olhos pesando mais do que deviam.
A senhora se despediu com um aceno tímido e foi embora.
A moça sentou-se ao lado dele.
— Continua a leitura, Jonas. Você tem todo o direito de ocupar todos os espaços. Inclusive os das palavras.
Ele abriu o livro outra vez, e leu em voz alta:
"Ao vencedor, as batatas."
E naquele instante, parecia que o mundo ainda era injusto. Mas ali, naquela praça, a luta tinha nome, voz, e páginas viradas.
José Casanova, Professor, Jornalista e Escritor
Membro da Academia Bacabalense de Letras
Academia Mundial de Letras da Humanidade
Tutor da Academia Marahense de Letras Infantojuvenil







Texto riquíssimo e que aborda com profundidade as nossas inquietações de povo preto.
ResponderExcluir