Na curva da Avenida João Alberto, em Bacabal, onde carros apressados mal percebem os rostos que passam, um outdoor foi rasgado. Não foi o vento, tampouco o tempo. Foi a intolerância, afiada como faca cega, que fere sem cortar . A imagem da Tenda de São Raimundo Nonato, religião de matriz africana, foi silenciada por mãos covardes. Um silêncio imposto com tinta, lâmina ou fogo — pouco importa o meio, quando a mensagem é sempre a mesma: “você não pertence”.
Pertencer é ancestral. É direito e é raiz. E quando se rasga a imagem de uma casa de axé, não se atinge apenas um pedaço de papel, mas um universo inteiro de fé, cultura e resistência.
Foi então que Pai Francisco de Folha Seca, figura de imponência serena, e Mãe Ângela, cujo olhar carrega o saber das ervas e dos ventos, decidiram que o silêncio não seria a resposta. Reuniram filhos e filhas de santo, mães, pais, ogãs, equedes, cada um com sua indumentária, seus colares e suas vozes. Foram à rua. O mesmo espaço onde a intolerância rasgou, foi onde a fé se ergueu.
A manifestação na Avenida João Alberto não foi apenas um protesto. Foi um ato de reintegração simbólica. A rua, palco de invisibilizações, tornou-se terreiro. O som dos atabaques ressoava entre buzinas e olhares curiosos. Havia canto, havia dança — mas, acima de tudo, havia um grito contido há séculos:
- Respeitem nossas crenças!!!
É curioso como a sociedade brasileira, que se orgulha da “mistura de raças”, ainda treme diante da força do candomblé e da umbanda. Abraça Iemanjá no réveillon, mas vira o rosto quando um orixá é cultuado fora do calendário folclórico. Quer a benção, mas não o sagrado que a concede.
Intolerância religiosa não é apenas um crime, é um sintoma. Revela o quanto ainda nos recusamos a reconhecer a religiosidade negra como legítima. É herança do colonizador, que demonizou o que não compreendia, e do Estado, que muitas vezes se cala quando deveria educar e proteger.
Mas há esperança. Ela vibra nos tambores, no cheiro de erva que perfuma a rua, nas crianças que seguravam cartazes escritos com letras coloridas, pedindo respeito. Pai Francisco e Mãe Ângela não marchavam sozinhos. Marchavam com a força de seus ancestrais, com Exu abrindo caminhos, com Xangô exigindo justiça.
A crônica deste dia não termina no rasgo do outdoor. Termina ... ou melhor, recomeça, na lembrança de que nenhuma religião deve existir à sombra do medo. Porque a fé, seja em Oxalá, em Jesus, em Alá ou em nenhum deus, é um direito que ninguém pode apagar.
José Casanova
Professor, Jornalista, Escritor Membro da
Academia Bacabalense de Letras
Academia Mundial de Letras da Humanidade
Tutor da Academia Marahense de Letras Infantojuvenil









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