A
maconha continua proibida na maioria dos países, entre eles o Brasil,
mas em alguns, como Canadá, Reino Unido, Holanda, França, Espanha,
Itália, seu uso medicinal está liberado. Na América Latina o primeiro
produto à base da maconha, o Sativex, foi aprovado para
comercialização. No Uruguai, a erva está permitida, e nos Estados
Unidos, há um movimento: Washington e Colorado liberaram seu uso
recreativo no início do ano. No país, 21 estados autorizam a prescrição
médica da erva e, neste contexto, o presidente Barack Obama declarou
esta semana que ela não é mais perigosa do que o álcool, o que provocou
reações de políticos e setores da sociedade. Se o tema é controverso
no plano político, no científico não é diferente. E as respostas sobre
seus efeitos na saúde também não são simples.
Vários
estudos têm demonstrado as ações terapêuticas dos canabinoides para
náusea e vômito em pacientes de Aids e câncer. Outras pesquisas são
realizadas com foco no tratamento de asma, glaucoma, e também no
desenvolvimento de antidepressivos, estimulantes do apetite e
anticonvulsivantes. Por outro lado, vários estudos garantem que a
maconha como droga de abuso prejudica a capacidade de aprendizagem, a
memória de curto prazo, o desempenho psicomotor e é um fator de risco
para a esquizofrenia.
Diante
de tamanha ambiguidade, as posições contra ou a favor adquirem um tom
quase religioso. Entre especialistas, há quem condene integralmente a
droga, e há quem a defenda com unhas e dentes. Alguns preferem separar a
discussão do uso recreativo e do medicinal. Outros dizem que isto não é
possível. Acontece que, mesmo proibida, ela é amplamente usada.
Segundo
a Organização Mundial de Saúde (OMS), a maconha é a droga ilícita, de
longe, mais cultivada, traficada e abusada. Metade de todas as
apreensões no mundo é de cannabis. Cerca de 180 milhões de pessoas,
3,9% da população entre 15 e 64 anos, são usuárias. No Brasil, o seu
uso vem crescendo, e o total de apreensões passou de 155 toneladas em
2010 para 174 toneladas em 2011.
Anvisa não descarta aprovação da cannabis medicinal
Na
lista de substâncias ilícitas no Brasil está a cannabis sativa. Mas com
base na lei antidrogas (11.343/06) o presidente da Anvisa, Dirceu
Barbano, argumenta que ela poderia ser autorizada para fins medicinais.
-
O órgão se baseia em estudos de eficácia e segurança, e se bem
avaliado, o produto vai para o mercado. Para pesquisas, a maconha
poderia ser usada sem nenhum problema - falou ao GLOBO, citando o
exemplo de opiáceos já liberados como a morfina, mas ressaltando que
seriam substâncias controladas e não a erva que é usada como
entorpecente.
Isto
não quer dizer que uma liberação está em vias de acontecer, já que,
segundo ele, nenhuma empresa - como a britânica GW, do Sativex - chegou a
pedir qualquer regulação. Esse composto com duas substâncias da
cannabis - o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD), um dos
canabinoides da planta - serve para amenizar dores da esclerose
múltipla.
Em
geral, as pesquisas com foco no uso terapêutico usam apenas algumas das
mais de 400 substâncias da planta. O THC, que tem o efeito psicoativo,
é o primeiro a ser removido ou amenizado. Mas nos EUA, por exemplo, é
possível comprar a erva, e há aqueles que defendem seu uso integral
mesmo para fins medicinais.
-
A maconha será tão disponível quanto a aspirina - comemorou o professor
de Psiquiatria da Escola Médica de Harvard, Lester Grinspoon. - Até a
década de 60, eu tinha certeza de que ela era perigosa. Foi depois de
me debruçar na literatura médica que descobri que não havia base
científica para sua proibição. Desde então, venho estudando seus
efeitos. Eu mesmo fumo há mais de 40 anos e nunca tive problemas.
Segundo
Lester, a planta não é tóxica, não causa dependência, nem
esquizofrenia. Ao contrário, ele acredita que a erva (e não apenas
algumas moléculas) tem diversas funções, entre elas, a de tratar dores
desde cólicas menstruais às da esclerose múltipla, além de náuseas e
convulsões da epilepsia. Ele riu da declaração do presidente Obama:
-
A maconha é muito menos prejudicial do que o álcool. Não deviam nem ser
mencionados na mesma sentença. Mais de 50 mil morrem a cada ano em
consequência do álcool. Nunca houve uma morte por maconha.
Nem
todos, entretanto, fumaram sem sentir efeitos negativos. Jorge Duarte,
hoje com 28 anos, conta ter usado diariamente na adolescência.
-
Se eu fosse sair, fumava. Se fosse num restaurante, também. Para
qualquer coisa, eu usava. Era um viciadinho - conta o jovem, que
explica por que resolveu parar. - Fui fazer intercâmbio nos EUA e não
conseguia me comunicar. Sabia inglês, mas ficava travado. Foi quando
notei que estava exagerando.
Professor
de Psiquiatria da USP e com doutorado em Psicofarmacologia Clínica
pela Universidade de Londres, Valentim Gentil Filho faz duras críticas
aos que levantam esta bandeira.
-
Esse Grinspoon tem conflitos de interesse e nem é autoridade no
assunto. Além disso, é um absurdo o presidente dos EUA dar a mensagem
de que é uma droga segura - afirma Gentil, que também não acredita na
legalização do uso medicinal. - Primeiro, o controle de prescrição foi
claramente burlado, e receitas eram vendidas sem que um profissional
visse o paciente. É um disfarce para o uso recreativo. Segundo, não há
pesquisas mostrando a eficácia da planta como um todo. Estão cedendo a
pressões sociais, e com isso, vamos caminhar para o buraco nas próximas
gerações.
Gentil
lembra que na década de 60, quando a concentração de THC na maconha
era bem menor, pesquisas já apontavam para o aumento de três vezes do
risco de psicose esquizofrênica. Curiosamente, a Faculdade de Medicina
de Ribeirão Preto tem estudos com a cannabis no controle da
esquizofrenia.
-
A planta tem em torno de 80 canabinoides. Doses elevadas de THC
produzem, em humanos saudáveis, sintomas psicóticos e em
esquizofrênicos um agravamento dos sintomas. O canabinoide que
estudamos é o CBD, que não produz os sintomas típicos da planta.
Existem muitas evidências que o CBD possui uma ação antipsicótica -
explicou o professor de Psiquiatria da faculdade, Antonio Zuardi.
Para
ele, a possível liberação da maconha com fins medicinais deveria ser
precedida da criação de uma agência reguladora do uso e de seus
componentes. Quanto ao uso recreativo, ele diz ser uma decisão da
sociedade. Posição semelhante é compartilhada pelo professor de
Farmacologia de UFMG, Fabrício Moreira, que também realiza pesquisas
sobre o efeito analgésico de substâncias análogas aos canabinoides.
-
A discussão sobre o uso medicinal tem que ser embasada por evidências
científicas, e sou a favor da sua regulamentação. Sobre a legalização ou
não, isto tem que ser discutido sob aspectos políticos e sociais.
Poderíamos começar a pensar nela como uma política de redução de danos,
sabendo dos riscos.
O
especialista diz que a maior preocupação é com os adolescentes. Até os
22 anos, o cérebro está ainda em formação e pode ser afetado pelo uso
da maconha, reduzindo o QI, diminuindo funções executivas e causando
doenças psiquiátricas.
A
maconha leva poucos segundos para chegar no cérebro. E segundo a
psiquiatra da Santa Casa de Misericórdia do Rio, Analice Gigliotti,
causa dependência.
-
A cannabis fumada tem concentração maior de THC do que de outros
canabinoides, e qualquer droga fumada tem efeito mais rápido e maior
potencialidade de dependência - afirma. - A legalização no Brasil é
impossível neste momento. Não temos controle de venda sequer de cigarro
e bebida para adolescentes. Temos que fazer o dever de casa ainda.
FONTE: Flávia Milhorance
0 comentários:
Postar um comentário