Naquela noite de lua cheia, o
silêncio da cidade parecia cúmplice de algo maior. Os sinos já haviam emudecido
e apenas os meus passos lentos se faziam ouvir pelas ruas de pedra. Eu não
era mais apenas um homem comum: tinha acabado de atravessar o limiar da porta
de um Templo maçônico.
Nunca esquecerei aquela noite.
A porta do Templo fechou-se atrás de mim, e de repente senti que o mundo lá
fora ficava distante, como se eu tivesse atravessado um limiar invisível. O
coração batia forte: não de medo, mas da estranha certeza de que eu não
voltaria a ser o mesmo.
Havia
um silêncio diferente, carregado de significados. Não era apenas a ausência de
som, mas uma presença invisível que parecia me observar. Meus passos eram
guiados, e cada gesto que me pediam parecia conter uma lição oculta.
Por um instante, percebi que
estava cego para o mundo de sempre e foi nesse breu que comecei a enxergar a
mim mesmo. Descobri que a escuridão também fala, e fala de nós.
Tive um encontro com GADU , o
Grande arquiteto do universo, causa primeira ou primária de todas as coisas.
Senti na pele o peso da
iniciação, onde o mundo profano se despia diante de meus olhos. O jovem Joaquim
agora carregava o título de Aprendiz,
mas queria ser Companheiro de todos. O olhar curioso perscrutava cada detalhe:
o esquadro e o compasso sobre o altar, o Sol e a Lua pintados nas paredes, o
Oriente iluminado pela presença do Venerável
Mestre, suas palavras eram firmes, mas suaves. Ele não falava comigo
apenas como indivíduo, mas como pedra bruta que precisava ser lapidada. Eu era,
naquele momento, aprendiz de mim mesmo.
-
Lembre-se, irmão, - Sussurrou-lhe um Companheiro
de jornada. —-Aqui cada gesto é um símbolo, e cada símbolo guarda uma verdade.
Vi símbolos que não se
explicavam em voz alta, mas que se gravaram no coração: a régua que mede, o
esquadro que orienta, o compasso que limita e ensina equilíbrio. Compreendi que
não são ferramentas de construção apenas para pedras, mas para homens.
Quando
finalmente me falaram da Luz,
senti que não era apenas uma vela ou uma chama: era um despertar. A Luz não
vinha de fora, mas de dentro, como se a chama que acenderam diante de mim
acendesse também algo em meu peito.
No final, já não era o mesmo
homem que entrou. Eu havia sido tocado pelo mistério da fraternidade e pela
promessa silenciosa de trabalhar em mim todos os dias.
Não me deram respostas prontas, mas me mostraram que as perguntas certas são
mais importantes do que certezas fáceis.
No canto, os mais antigos, já
mestres, observavam em silêncio. Um deles, de cabelos brancos e palavras
medidas, era respeitado como Grão-Mestre.
Carregava nos ombros não apenas a sabedoria dos anos, mas também a
responsabilidade de guiar homens em busca da Luz.
Ouvi
histórias sobre o lendário grau 33, onde a sabedoria alcança o cume
de uma montanha invisível. Mas compreendi que mais importante que qualquer título
era a prática da caridade,
discreta e silenciosa, que a Ordem exercia para além dos muros do Templo:
alimentar famílias, amparar viúvas, educar órfãos.
Numa
das rodas de conversa, alguém contou a lenda do bode preto, criatura sempre associada ao desconhecido,
ao que a imaginação popular não compreende. Quando os amigos faziam perguntas
sobre isso eu sorria e dizia:
- O bode preto sou eu! -
Aprendi que o mito não passava
de um espelho da ignorância dos de fora, que transformavam mistério em medo.
Entre os símbolos, os sinais discretos e as lendas, eu descobria algo maior: a maçonaria não era feita apenas de rituais, mas de homens e mulheres que, no silêncio, buscavam melhorar a si mesmos para melhorar o mundo.
Sim,
mulheres. Nos encontros sociais as Samaritanas, , cunhadas, companheiras
que, com ternura e firmeza, sustentavam a fraternidade em atos de apoio,
solidariedade e partilha. Elas não ocupavam o mesmo espaço ritual dos irmãos,
mas sua presença era tão essencial quanto o compasso no desenho da vida.
O
tempo passou, e eu , o jovem Joaquim
deixou de ser apenas aprendiz. Tornou-se Companheiro,
e mais tarde Mestre. Em cada
grau, entendia que os mistérios não estavam apenas nos sinais secretos ou nas
lendas, mas no silêncio de aprender a ouvir, no trabalho de talhar a pedra
bruta de si mesmo.
Hoje,
já idoso, sentado na varanda, escreve
minhas memórias. Sorri ao lembrar da juventude e dos segredos que tanto me encantaram. Escreve, como quem deixa um
recado aos que buscam a mesma jornada:
"A maçonaria é feita de símbolos que o tempo
não apaga. O bode preto é apenas lenda; o verdadeiro mistério está no coração
humano. O grau 33 não é um trono, mas um estado de espírito. E a caridade, essa
sim, é o maior dos rituais."
Compreendi
que os mistérios da maçonaria não são para serem revelados, mas vividos. Pois o
verdadeiro segredo não está guardado em um templo, mas na alma de cada iniciado
que, entre luzes e sombras, busca ser melhor do que foi ontem.
Quando caminho pelas ruas,
lembro da minha iniciação. As pessoas me veem como o mesmo Joaquim de sempre,
mas dentro de mim sei que algo mudou. Aprendi que a maçonaria não revela segredos,
ela desperta os segredos que já estavam adormecidos na alma.
E
assim sigo, com humildade, na longa estrada de lapidar a pedra bruta que ainda
sou à sombra de uma Acácia amarela.
José
Casanova
Professor,
Jornalista, Escritor e cronista
Membro
da Academia Bacabalense de Letras
Academia
Mundial de Letras da Humanidade
Tutor
da Academia Maranhense de Letras Infantojuvenil










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