Por Bioque Mesito
A melhor qualidade que um poeta possa possuir é a sua verdade. Mesmo que, às vezes, seja nua e crua. A máxima pessoana é, na maioria das vezes, deglutida da pior forma. O fingimento poético não é nada mais nada menos que o curinga do baralho, e o poeta não é um ser hipócrita, dissimulado, louco, irresponsável, perdedor, que só vive de cabeça baixa como pensa um monte de gente.
Talvez, por atitudes de alguns poetas (inclusive, em São Luís do Maranhão, há poetas que encaminham toda a sua trajetória como um pária, vivendo no lodo da existência; outros reclamando de barriga cheia, achando que para ser poeta de verdade é preciso vender mais de dez mil cópias em uma edição de livro) menos desavisados, isso aconteça.
No mundo da poesia, tem poeta que escreve sobre a sua cidade natal, sobre o rio que passa por sua cidade, sobre a namorada, sobre a profissão que exerce, e tem até os que nem mostram para ninguém os seus versos. Há todo tipo de poeta, mas observamos logo de cara para o que veio um poeta ao mundo: para ter um estilo próprio ou para ver a carruagem passar.
Fernando Atallaia escolheu o primeiro caminho, ou melhor, escolheu o estilo seco, verdadeiro e com o discurso agudo e forte, o que não fazem muitos escritores que preferem pontuar suas criações em conjecturas sociais. Em seu Ode Triste para Amores Inacabados (seu livro de estreia) atesta isso, quando nos fala no poemaDependências:
Toda poesia tem seu silêncio
Aposta na febre da palavra ainda morta
e vicia pelos tragos de agonia
Não há poesia que caiba em um só banheiro
Muitas quedas de alegria já romperam seus remédios
Toda poesia tem suas dependências
Porta de mundo para muitos universos
Entradas de setas para o inesperado.
Ou ainda, no equilibrado e tácito A Casa:
A casa sobre o chão me desperta asas para um voo tênue
A fragilidade do concreto sob a casa nada tem de frágil
O que escorrega entre os telhados se esvai em quartos para fora
E o que sustenta a flora não projeta muros para dentro
Tenho de pedra as mãos e a fala presa às paredes
A casa é fortaleza para pele
E eu, de rudimentar, tenho os ossos na poeira
Ode Triste para Amores Inacabados até parece, no primeiro momento, um livro romântico, mas não se enganem, o romantismo atallaiano é pura cáustica, alarido de muitas possibilidades de se amar. Muitos poemas deste livro se interligam nesse sentido, mesmo que essa não seja uma proposta proposital do poeta, como são os casos de Amores à parte:
Amei com a tempestade à garganta
Com o grito preso aos lençóis
Amei com todos os nós
Entre mim e as tuas mãos a toda solidão da minha vida
Os palácios as feridas de ontem do hoje e sempre
Dores à parte eu também amei
Com os grilhões de sua fútil arte, a arte fútil de aprisionar donzelas
Em quadros ríspidos de paredes
Sereias mal amadas sem nenhum mar.
Ou em Cafajeste em quatro tempos:
1. Antes de perder o chão pretendo voltar.
2. Posso não ser o mesmo, mas pretendo.
3. Acredito no amor que serei perdoado.
4. Minha alma disposta ainda pula muros.
Ou ainda em Verso Antigo:
Saqueei a vida da mulher que me apareceu vindo do interior
Do interior de suas faltas de seus olhos de seus ossos
Com uma mala desbotada de fotografias
A mulher é nova e tem dois filhos
O primeiro chora o outro morre
Todo dia é a mesma coisa
Tento amenidades
(...)
A mulher que a vida verteu em seus longos e
Pontiagudos saques de amor e medo
A mulher que estava ali bem ali nos cabarés de suas saias apontando seus lamentos para um bolso imundo.
O aparecimento de Atallaia para a poesia não é de hoje ou de agora. Caminhante com um bando de poetas, desde a década de noventa do século passado, como são os casos de Dyl Pires, Hagamenon de Jesus, Antônio Aílton, Bioque Mesito, Ricardo Leão, Rosemary Rêgo, Paulo Melo Souza, e tantos outros, Atallaia divide-se entre a música e a musa, entre o violão e a pena de escritor. Virtudes essas que não lhe atrapalham, mas colidem-se para um grande feito: a poesia.
O livro Ode Triste para Amores Inacabados é uma importante contribuição para a poesia ludovicense. Seja por instalar um romantismo rouco e louco ou por se tratar de uma entrega autoral de quem aprendeu a desmascarar a hipocrisia artística das últimas décadas.
Para dar ponto final aos comentários, um poema que eu gostaria de ter feito e não o fiz, talvez por falta de coragem e desprendimento, o intrigante e belo Casa-te comigo e me calo. Um poema que, a meu ver, reflete todo o clímax erótico do livro sem ser carregado de expressões corriqueiras ao tema; um poema dedicado a Mônica Mattos, uma famosa e linda atriz pornô brasileira:
Mônica Mattos não merece este poema.
É em pouco e quase nada sem a inspiração desejada e à revelia da beleza que ele agora fala- canta-goza sem a pura verdade (pré)sentida.
Mônica Mattos de fato não merece este poema que engasga em sua torpe necessidade vulcânica de falar às águas cáusticas-frias maçantes de uma verborragia infame entre/mentes.
Mônica e suas reentrâncias satânicas de um céu abaixo da semântica que não espanta que não santa e porque não nas tenras carnes das damas de 22 anos? Ainda assim este pobre e laico e polifônico poema é uma desonra ao silêncio de suas ancas.
Mônica Mattos não amaria este poeta por este ridículo poema que ousa falar-lhe às sombras de sua lascívia aos assombros de suas vaginas- aos horizontes de suas volúpias e na pequenez dessa sintaxe como um ácido ruim à boca fria ela jamais mereceria este biltre e raso poema.
Perdoe-me Mônica. Foi por instinto assim como sinto que quero cantar-te os lindos olhos famintos dos sofás solitários que apontados à imaginação caem como pães às imagens do meu falo.
Perdoe-me querida. Casa-te comigo e me calo.
Bioque Mesito é um dos mais representativos poetas maranhenses da década de 90. Premiado em concursos literários nacionais, tem dois livros publicados e três inéditos. Integrou o Grupo Curare de Poesia.
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