A presidente Dilma Rousseff, do PT, venceu a votação deste domingo mas acorda nesta segunda-feira como líder de um país dividido.
E não só porque a votação foi apertada – pouco mais de 48% dos brasileiros disseram nas urnas preferir o tucano Aécio Neves como presidente. A questão é que a corrida eleitoral foi marcada por discursos radicais e pela polarização.
Apesar de a presidente acenar com o diálogo em seu discurso de vitória, os dois meses da disputa provavelmente serão lembrados pelos excessos de um lado e de outro.
Nos debates e programas eleitorais, os dois candidatos lançaram mão de campanhas negativas, focadas mais na desconstrução de seus opositores do que na discussão de propostas para o país.
Houve notícias de eleitores se agredindo nas ruas e as redes sociais transbordaram de comentários agressivos, denúncias e teorias conspiratórias.
"A cortesia sumiu do debate político e acho que dessa vez a radicalização passou dos limites: na prática será difícil retomar um diálogo", diz Renato Janine Ribeiro, professor-titular de Ética e Filosofia Política da USP.
É por isso que na ressaca eleitoral, surgem algumas dúvidas. Quais serão os desafios da presidente para "unir o país", como ela prometeu? E o que pode ajudar a arrefecer a radicalização?
Classe média
Para o cientista político Renato Perissinotto, da Universidade Federal do Paraná, ao menos entre os eleitores, o radicalismo tende a desinflar uma vez terminada a eleição, "porque ninguém fica pensando e falando em política o tempo todo". Ele diz, no entanto, que o PT precisa mostrar que "entendeu o recado das urnas".
"Em especial, eles precisam acenar com políticas que atendam às necessidades da classe média urbana, demonizada por setores da militância petista", diz Perissinotto.
"Pode ser a reforma tributária, ou medidas para melhorar os serviços públicos - o fato é que o PT precisa voltar a ganhar apoio nesse segmento."
O cientista político Carlos Melo concorda.
Para ele, essas eleições mostraram que o país está dividido por linhas sociais e regionais e o PT precisará estabelecer uma interlocução com Estados opositores e sua classe média urbana.
"Por isso, seria interessante que Dilma buscasse representantes, ou porta-vozes de setores que apoiaram a oposição para um diálogo", diz Melo.
Economia
Outro desafio que a presidente precisará enfrentar para "unir o país" diz respeito ao crescimento econômico - como ressaltam Perissinotto, Melo e Antonio Carlos Mazzeo, cientista político da Unesp.
Recentemente, o governo reduziu sua projeção de crescimento neste ano para 0,8%. Analistas do mercado são ainda mais pessimistas: esperam um crescimento de 0,3%.
O desemprego está em níveis historicamente baixos, mas economistas já veem sinais de desaceleração no mercado de trabalho - e há certo consenso de que, sem uma retomada do crescimento, cedo ou tarde ele acabará abalado.
O assunto foi amplamente explorado pela oposição e ajudou Aécio a ganhar apoio.
"Dilma precisará resolver a crise de credibilidade que vive entre setores empresariais para criar um ambiente favorável para destravar o investimento privado", diz Melo, para quem o primeiro passo seria definir quem será seu novo ministro da Fazenda e o novo presidente do Banco Central.
"Precisam ser nomes fortes, que convençam os mercados e empresários de que a política econômica vai melhorar", opina.
Corrupção
Perissinotto diz que o posicionamento em relação à questão da corrupção também será chave para determinar se o discurso anti-PT continuará a ganhar força.
"Esse é um ponto em que a presidente terá de avançar para paralisar esse processo de desgaste do partido", opina.
"Mas se quiser mesmo se desvincular dos escândalos, Dilma precisará tomar uma medida concreta nessa área: por exemplo, criando uma instituição com capacidade punitiva - porque hoje os casos até são investigados, mas ninguém é punido", diz Perissinotto.
Para Rafael Cortez, analista político da consultoria Tendências, para garantir a governabilidade, o ideal seria que a presidente fizesse um pacto político que envolvesse setores da oposição.
"Ela poderia inclusive incorporar projetos do campo opositor", diz.
Em seu discurso de vitória, Dilma disse "não acreditar que essas eleições tenham divido o país ao meio".
"Creio que elas (as eleições) mobilizaram ideias e emoções às vezes contraditórias, mas movidas por um sentimento comum, a busca por um futuro melhor”, disse a presidente.
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