A melhor alternativa
Entre
as incontáveis mensagens em cartazes e faixas nas históricas
manifestações de rua dos últimos dias, algumas trataram da Proposta de
Emenda Constitucional nº 37, a PEC-37, redigida para cassar o poder do
Ministério Público de fazer investigações criminais. “Abaixo a
impunidade, Contra a PEC 37”, protestava uma faixa, por exemplo, em
Brasília, terça-feira da semana passada, à frente do Congresso. A
relação entre a impunidade e a aprovação da emenda à Constituição fruto
do corporativismo policial é indiscutível. Afinal, foi a partir da
independência recebida pela Carta de 1988 que o MP pôde ter um papel
atuante no combate à corrupção na vida pública. A atuação da
Procuradoria-Geral da República no encaminhamento da denúncia e
condenação dos mensaleiros é um grande exemplo da importância do MP no
Brasil. E há outros.
É
compreensível, portanto, que o assunto frequente as manifestações,
deflagradas formalmente devido ao aumento de tarifas de ônibus, mas
movidas por uma série de insatisfações, algumas difusas, mas outras
bastante objetivas, como o baixo nível ético no exercício da política,
somado à lentidão e pouca eficácia em geral do Judiciário na punição de
criminosos de colarinho branco.
A
própria origem da PEC-37 e os apoios que tem recebido no Congresso —
entre eles, de alguns petistas interessados em dar o troco ao MP em
nome de mensaleiros condenados — reforçam a resistência à emenda. Ela é
de autoria do deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA), não por
coincidência um delegado de polícia. Além de petistas, atrai a simpatia
de todo político com interesses contrariados pelo Ministério Público.
O
melhor desfecho seria a comissão criada pelo presidente da Câmara,
Henrique Alves (PMDB-RN), para conciliar interesses de policiais e
membros do Ministério Público e chegar a algum consenso antes da
votação da PEC. Não chegou e, em nome do impasse, Henrique Alves
anuncia o adiamento da votação para julho, com o apoio do PT. A
oposição identifica no adiamento efeitos da citação da PEC-37 nas
manifestações de rua. Votar depois, com as ruas vazias, facilitaria a
aprovação. A ver. A única alternativa correta é a rejeição da proposta.
Há
debates jurídicos sobre o espaço legal de atuação do MP. No Supremo, um
processo de reclamação contra o Ministério Público instaurado a pedido
de um político condenado numa investigação de procuradores recebeu
voto favorável do relator do caso, ministro Cezar Peluso, já
aposentado. Porém, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Joaquim Barbosa e
Ayres Britto, este também aposentado, tiveram opinião contrária, embora
os dois primeiros limitassem a ação independente do MP a certos tipos
de crimes.
Ministros
do STF, portanto, concordam com o poder de investigação do MP, em
alguma medida. Outro aspecto é que, se procuradores e promotores não
puderem investigar crimes, esta função essencial se tornará monopólio
de um braço do Poder Executivo. Ora, esta tem de ser função de Estado,
não exclusiva de governos.
Principio equivocado
Odebate
sobre a PEC 37 tem sido marcado pelo impasse. O nó se deve a um
equívoco de princípio: não se pode retirar de algo — no caso, a
Constituição — aquilo que nela não está expresso. Explicando: é um
sofisma a argumentação dos representantes do Ministério Público segundo
a qual a Carta asseguraria aos promotores o pressuposto de presidir
inquéritos, ou seja, de o MP ser condômino de uma atribuição — esta sim
garantida por dispositivo constitucional — legal e especificamente
consagrada às corporações policiais, qual seja a de exercer o papel de
Polícia Judiciária.
O
que está em questão, basicamente, é o artigo 144 da Constituição, que
dispõe claramente sobre a competência para a instauração de inquéritos.
Note-se que, pelo artigo 129 da Carta Magna, compete ao Ministério
Público requisitar a instauração do inquérito penal, não instaurá-lo. É
elucidativo trazer a relevo entendimento do então ministro do STF
Cezar Peluso sobre a questão. Em sessão de junho de 2012, ele destacou
que “o MP apenas pode realizar investigações criminais quando a
investigação tiver por objeto fatos teoricamente criminosos praticados
por membros ou servidores do próprio MP, por autoridades ou agentes
policiais e, ainda, por terceiros, quando a autoridade policial,
notificada sobre o caso, não tiver instaurado o devido inquérito
policia l”. Escora-se, assim, a PEC 37 em sólidos argumentos, seja à
vista da Carta maior, seja à luz do arrazoado de um dos mais ilustres
integrantes do Poder Judiciário do país.
Veja-se,
ainda, a questão por outro ângulo que não o da interpretação
legislativa. As funções judiciárias são claramente delimitadas na
Constituição, cabendo ao Judiciário o poder de julgar, ao MP o papel de
apresentar denúncia e acusação, e à advocacia o de realizar o
inalienável direito de defesa. O Ministério Público, portanto, é sempre
e indissociavelmente parte dos processos. Como tal, tem interesse
implícito nas ações levadas a julgamento. Ora, aceito o alegado
princípio da competência do MP de presidir inquéritos criminais, estaria
o primado jurídico do país contaminado por uma contradição de graves
consequências — a de uma mesma parte apresentar denúncias e produzir
provas ao arrepio da atuação da Polícia Judiciária. Não é, com certeza,
uma situação jurídica cara a um estado democrático de direito.
Cumpre,
portanto, à PEC 37 restabelecer o primado da legalidade, agravado por
uma interpretação heterodoxa da Constituição. Ademais, registre-se que
ao MP não está reservada, no texto em discussão, a exclusão no
andamento de inquéritos criminais. A ele permanece assegurado, como
inscrito na Carta, o direito de participar de investigações, solicitar
diligências, enfim, atuar ativamente nos inquéritos policiais, desde
que requisitado pelas corporações imbuídas do legítimo papel de Polícia
Judiciária. Em suma, exclua-se do debate o erro de princípio, e
estarão abertas as portas para o desejado consenso sobre tão relevante
questão.
Rodrigo Ribeiro é advogado
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/principio-equivocado-8774484#ixzz2XHLsEGaF
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