domingo, 28 de abril de 2024

A Carta



A casa estava silenciosa naquela tarde de maio, a luz fraca filtrando-se pelas cortinas entreabertas. Maria, uma mulher de meia-idade, sentou-se à mesa da cozinha, mãos trêmulas segurando uma xícara de café já frio. Seu filho, Gabriel, havia saído na noite anterior e não voltara. Era um padrão com o qual ela já estava infelizmente familiarizada.

Gabriel, agora com 21 anos, havia sido um raio de sol em sua vida, mas também uma tempestade implacável. Desde os 11 anos, Gabriel se afundara nas profundezas do vício. As drogas o haviam roubado de Maria, deixando-a com apenas lembranças de um garoto que costumava brincar no quintal. Ela não sabia mais como ajudá-lo. As noites eram longas e solitárias, e o medo a sufocava.

_ Mãe! Me dá dinheiro Mãe!!! – Entrou Gabriel de repente. cambaleou pela porta da cozinha, os olhos injetados de vermelho, o corpo trêmulo.

Maria o encarou, com coração apertado.

_ Meu filho, você precisa parar com isso. Você está se matando.

_ Me larga mãe. Me dá logo um dinheiro ai!!

_ Não! Dessa vez não Gabriel!! – Disse Maria seriamente!

_ Mas eu quero!!! – Gritou Gabriel agressivo.

_ Eu não dou Gabriel. – Respondeu Maria.

_ Vagabunda! – Disse Gabriel já agredindo a mãe.

Maria gritou com o rosto sangrando, Gabriel enfurecido de raiva quebrou tudo dentro de casa, chamando a atenção de vizinhos que socorreram Maria enquanto ele fugia em disparada pelas ruas do bairro.

Maria foi levada ao hospital com o rosto desfigurado. Recebeu atendimento para médico e voltou para casa pensativa, sentindo-se derrotada pela vida; as horas se passaram, sozinha no silêncio do seu quarto pensava no futuro do filho.

Era quase meia noite quando o celular tocou, fazendo-a pular. Com o coração apertado, ela atendeu. Era um policial, Coronel Túlio do outro lado da linha, falando sobre uma possível ocorrência envolvendo Gabriel. Sem pensar duas vezes, Maria pegou suas chaves e saiu apressada.

Chegando à delegacia, foi levada a uma sala onde Gabriel estava, visivelmente abalado. Ele estava em crise de abstinência, tremendo e suando, uma expressão de dor no rosto. Maria se aproximou dele, sentando-se ao seu lado. Ela não sabia o que dizer, então apenas segurou sua mão, transmitindo silenciosamente seu amor e apoio.

_Me desculpe, mãe ... - Disse Gabriel com a voz trêmula. - Eu não queria te agredir. Eu só... Eu só não aguentava mais.

Maria sentiu um nó na garganta. Ela olhou nos olhos do filho, vendo a dor e a angústia que ele carregava. Ela queria poder tirar toda aquela dor dele, mas sabia que não podia. Ela o abraçou com força, sentindo as lágrimas escorrerem pelo rosto machucado.

_Eu sei, meu filho. Eu sei... - Sussurrou ela, acariciando seus cabelos. - Vamos buscar ajuda, juntos. Você não está sozinho nessa luta.

Os dias seguintes foram difíceis, com Gabriel passando por um processo de desintoxicação na Fazenda da Esperança onde fora bem recebido por Padre Lauro. Maria estava ao seu lado a cada momento, apoiando-o incondicionalmente. À medida que o Dia das Mães se aproximava, ela pensava no que gostaria de receber: a segurança de que seu filho estava bem, livre do domínio das drogas.

Na manhã do Dia das Mães, Gabriel apareceu na cozinha de casa com um sorriso tímido no rosto. Ele segurava um pequeno envelope nas mãos. Maria o abraçou com força, sentindo uma onda de alívio e gratidão inundar seu coração.

_Obrigado, mãe. - Disse Gabriel, entregando-lhe o envelope. -Por nunca desistir de mim, mesmo quando eu mesmo já havia desistido.

Maria abriu o envelope e encontrou dentro dele uma carta escrita à mão por Gabriel. Ele expressava todo o amor, gratidão e arrependimento que sentia porque não conseguia dizer com palavras. Maria sorriu através das lágrimas, abraçando-o com força.

Ao abrir a carta, Maria encontrou um bilhete de passagem para uma viagem que ela sempre sonhou em fazer, mas nunca teve a chance. Visitar parentes que moravam numa praia do litoral cearense. Gabriel, com a ajuda de pessoas que conheceu durante sua reabilitação, organizou tudo em segredo. Ele queria que sua mãe tivesse um momento de descanso e felicidade depois de tantos anos de preocupação e sofrimento. Juntos, mãe e filho embarcaram nessa viagem de cura e recomeço.

José Casanova
Professor, Jornalista e Escritor membro da 
Academia Bacabalense de Letras

Nota do autor: A luta contra o vício é uma jornada dolorosa e complexa. Que esta crônica seja uma homenagem a todas as que enfrentam essa batalha com amor e coragem

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