José Brasil acordou naquela manhã de 7 de setembro com o som
dos fogos de artifício. Não sabe porque esses fogos ainda são utilizados, já
que incomodam tanto os autistas, idosos e pessoas doentes, mas na sua terra, Juçaralandia, não existe regras de bom senso. Acordara
com um aperto no peito, que já não era novidade. Aos 42 anos, as dificuldades
financeiras se acumulavam como poeira num móvel esquecido. A mulher, Maria, já
estava de pé, preparando o café de uma mistura rala que ele preferia não saber
como conseguia. Os filhos, João e Luísa, ainda dormiam no pequeno quarto. Não
passavam de um número no censo.
_Mais um Dia da Independência... - pensou José, enquanto
vestia a camisa desbotada para mais um dia de luta. Iria ao centro da cidade,
tentar vender suas frutas. - _ Mas que independência é essa que não chega ao
povo? Ter independência é saber fazer as próprias escolhas. - Murmurou, observando os rostos cansados na
vizinhança, onde todos, como ele, lutavam por migalhas.
No caminho, encontrou-se com Francisco, um velho amigo dos
tempos de juventude.
— Grande Zé, vai pro centro? — perguntou Francisco, com o
sorriso meio apagado.
— Vou sim, Chico. Tentar vender uns abacaxis, sabe como é...
— José suspirou, ajeitando a carroça.
— Hoje é feriado. Vai ter desfile e tudo...
— Pois é, feriado. Desfile... — José riu, um riso seco, sem
vontade. — Sabe o que eu estava pensando, Chico? Comemorar o quê? Que
independência é essa que não dá liberdade pro povo viver melhor? Que nos faz
comemorar, mas seguir presos na mesma miséria?
Francisco concordou em silêncio. Ele próprio já tinha
desistido de questionar as coisas. Mas José não. José tinha o Brasil até no
próprio nome, e isso o incomodava.
— Eu olho pros meus filhos, Chico... O João vai fazer 15
anos, tá no ensino público, mas aprende o quê? O professor nem aparece. Outros
aparecem até demais da conta. E a Luísa? Mal tem livros. — José respirou fundo,
com o olhar perdido. — A educação é a nossa esperança, mas o governo não liga.
Só pesam no Ideb. Eles preferem o pão e
circo. A diversão tá garantida, mas e a comida na mesa?
— E o que tu faz, Zé? O que a gente pode fazer? — perguntou
Francisco, mais desanimado do que curioso.
— Luto, Chico. Tento. Não tem muito mais o que fazer. — José
puxou a carroça e começou a caminhar, mas logo parou, olhando para trás. — É
tudo um ciclo, sabes? Eles dão circo pra gente se distrair, enquanto a saúde, a
cultura, a ciência... tudo vai morrendo aos poucos. Tu sabia que tem gente que
nunca leu um livro na vida?
— Isso é verdade...
— E como vamos ter independência se o conhecimento não chega
ao povo? Se a literatura tá sumindo das mãos das crianças? E a ciência? O que é
que sobra?
Francisco abaixou a cabeça. José tinha razão. O desfile de
logo mais seria bonito, patriótico, emocionante... mas o que aquilo significava
para eles? Para suas famílias? Eles iriam aplaudir, gritar "Viva o
Brasil!", mas no fundo, nada mudaria.
— Eu penso nos meus filhos, Chico. Quero que eles tenham um
futuro melhor que o meu. Mas, com o que está aí, não sei... E não é só
política, é tudo. Cultura, educação... o país tá doente. Estamos em ano
eleitoral, como disse o poeta Boa Fé:
Quanta gente vai se eleger de novo, renovando a fome desse povo...
O som dos tambores do desfile ao longe ecoou pelas ruas.
Francisco olhou na direção do centro da cidade, onde a multidão começava a se
reunir.
— Então, Zé, vamos assistir ao desfile?
José parou, pensou por um segundo, e depois respondeu com um
sorriso amargo:
— Não, Chico. Eu tenho abacaxis pra vender e muitos outros abacaxis pra descascar na
vida.
E seguiu seu caminho.
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