segunda-feira, 17 de junho de 2024

CRÔNICA DO DIA: Cante o Carpinteiro!

Na frenética cena musical dos anos 60, um dos maiores ícones da Jovem Guarda, Ronnie Von, enfrentava um dilema. Seu novo álbum estava quase pronto, mas faltava uma peça crucial: a décima segunda canção. Era uma regra não escrita dos discos da época terem exatamente doze músicas, um padrão que os fãs e a indústria esperavam. No entanto, após gravar onze faixas, ele se viu em um beco sem saída.

Ronnie e seu produtor vasculharam o repertório nacional e internacional em busca da canção perfeita que fechasse o álbum com chave de ouro. A pressão aumentava, e o prazo para o lançamento do álbum se aproximava rapidamente. Foi então que, em uma noite de insônia, seu produtor se lembrou de uma música de Tim Hardin de "If I Were A Carpenter" que ressoava em sua memória, trazendo consigo uma solução inesperada.

Convencido de que essa era a música certa, o produtor apresentou a ideia a Ronnie. Havia, no entanto, um desafio: adaptar a canção ao português de maneira que mantivesse a essência poética e emotiva da versão original. A tarefa não seria fácil, mas ambos sabiam que era a escolha certa e a versão foi feita por um amigo.

Durante dias e noites, eles trabalharam na tradução, ajustando cada palavra e frase para que se encaixassem perfeitamente na melodia. A versão final, intitulada "O Carpinteiro", carregava consigo uma profundidade e um sentimento que cativavam desde a primeira nota.

A canção falava de amor, sacrifício e dedicação – temas universais que encontraram ressonância tanto na voz única de Ronnie Von quanto nos corações dos ouvintes. Quando o álbum finalmente foi lançado, "O Carpinteiro"  não foi  sua música de trabalho. A música escolhida para tocar foi “ A praça” .    

Apesar do sucesso do album, "O Carpinteiro" quase não era executada nos shows de Ronnie Von. A música ganhou  vida própria no Nordeste, onde foi lançada em compacto, um pequeno disco de vinil com duas ou no máximo quatro músicas. Embora desconhecida no Sul, "O Carpinteiro" tornou-se extremamente popular no Nordeste, criando um contraste interessante na trajetória da música.

 Os acordes do tempo passaram, na década de 80, Ronnie Von realizou um show aberto ao público em Bacabal. O evento atraiu uma multidão entusiasmada, mas uma situação inesperada marcou a noite. Um fã alcoolizado e armado apareceu durante o show e, em um ímpeto, gritou: 

- Cante O Carpinteiro! - Gritou o homem.

Ronnie, surpreso, não sabia a letra de cor, pois não era uma das músicas de trabalho do disco.

 O homem puxou um revólver e exigiu que o cantor cantasse "O Carpinteiro". 

- Você é uma fraude! Cante o Carpinteiro! - Disse o fã em alto e bom som.

- Ronnie até admitia não lembrar completamente, mas ser chamada de uma fraude, já era demais para o artista. No entanto, nos anos 70 e 80 eram quase comum serem realizados shows no nordeste de sócias de artistas famosos, talvez por isso o temperamental fã o tenha chamado de Fraude.

- Se você é realmente Ronnie Von, Cante o Carpinteiro! -Insistia o homem com a arma apontada para o cantor.

A situação saiu do controle, houve correria e gritos de medo na plateia, seguranças e policiais tiveram que intervir para evitar uma tragédia. Desde então, para evitar situações semelhantes e em respeito aos fãs do Nordeste, Ronnie incluiu "O Carpinteiro" no repertório de seus shows a partir do Espírito Santo para cima como música de abertura.

Atualmente, a música ganhou nova vida com gravações de artistas como Nattan e Elias Monkbel, provando que uma boa canção nunca morre, apenas se transforma e encontra novos públicos. "O Carpinteiro" permanece como um elo entre gerações e um exemplo de como a música pode transcender barreiras geográficas e culturais, tocando corações e deixando memórias inesquecíveis.

José Casanova

professor, Jornalista e Escritor membro da

Academia Bacabalense de Letras  e 

Academia Mundial de Letras da Humanidade


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