quarta-feira, 26 de junho de 2013

Te Contei, não ? - PEC 37 - Dois olhares

A melhor alternativa
 
 
 
Entre as incontáveis mensagens em cartazes e faixas nas históricas manifestações de rua dos últimos dias, algumas trataram da Proposta de Emenda Constitucional nº 37, a PEC-37, redigida para cassar o poder do Ministério Público de fazer investigações criminais. “Abaixo a impunidade, Contra a PEC 37”, protestava uma faixa, por exemplo, em Brasília, terça-feira da semana passada, à frente do Congresso. A relação entre a impunidade e a aprovação da emenda à Constituição fruto do corporativismo policial é indiscutível. Afinal, foi a partir da independência recebida pela Carta de 1988 que o MP pôde ter um papel atuante no combate à corrupção na vida pública. A atuação da Procuradoria-Geral da República no encaminhamento da denúncia e condenação dos mensaleiros é um grande exemplo da importância do MP no Brasil. E há outros.
É compreensível, portanto, que o assunto frequente as manifestações, deflagradas formalmente devido ao aumento de tarifas de ônibus, mas movidas por uma série de insatisfações, algumas difusas, mas outras bastante objetivas, como o baixo nível ético no exercício da política, somado à lentidão e pouca eficácia em geral do Judiciário na punição de criminosos de colarinho branco.
A própria origem da PEC-37 e os apoios que tem recebido no Congresso — entre eles, de alguns petistas interessados em dar o troco ao MP em nome de mensaleiros condenados — reforçam a resistência à emenda. Ela é de autoria do deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA), não por coincidência um delegado de polícia. Além de petistas, atrai a simpatia de todo político com interesses contrariados pelo Ministério Público.
O melhor desfecho seria a comissão criada pelo presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), para conciliar interesses de policiais e membros do Ministério Público e chegar a algum consenso antes da votação da PEC. Não chegou e, em nome do impasse, Henrique Alves anuncia o adiamento da votação para julho, com o apoio do PT. A oposição identifica no adiamento efeitos da citação da PEC-37 nas manifestações de rua. Votar depois, com as ruas vazias, facilitaria a aprovação. A ver. A única alternativa correta é a rejeição da proposta.
Há debates jurídicos sobre o espaço legal de atuação do MP. No Supremo, um processo de reclamação contra o Ministério Público instaurado a pedido de um político condenado numa investigação de procuradores recebeu voto favorável do relator do caso, ministro Cezar Peluso, já aposentado. Porém, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Joaquim Barbosa e Ayres Britto, este também aposentado, tiveram opinião contrária, embora os dois primeiros limitassem a ação independente do MP a certos tipos de crimes.
Ministros do STF, portanto, concordam com o poder de investigação do MP, em alguma medida. Outro aspecto é que, se procuradores e promotores não puderem investigar crimes, esta função essencial se tornará monopólio de um braço do Poder Executivo. Ora, esta tem de ser função de Estado, não exclusiva de governos.


Principio equivocado
 
 
 
Odebate sobre a PEC 37 tem sido marcado pelo impasse. O nó se deve a um equívoco de princípio: não se pode retirar de algo — no caso, a Constituição — aquilo que nela não está expresso. Explicando: é um sofisma a argumentação dos representantes do Ministério Público segundo a qual a Carta asseguraria aos promotores o pressuposto de presidir inquéritos, ou seja, de o MP ser condômino de uma atribuição — esta sim garantida por dispositivo constitucional — legal e especificamente consagrada às corporações policiais, qual seja a de exercer o papel de Polícia Judiciária.
O que está em questão, basicamente, é o artigo 144 da Constituição, que dispõe claramente sobre a competência para a instauração de inquéritos. Note-se que, pelo artigo 129 da Carta Magna, compete ao Ministério Público requisitar a instauração do inquérito penal, não instaurá-lo. É elucidativo trazer a relevo entendimento do então ministro do STF Cezar Peluso sobre a questão. Em sessão de junho de 2012, ele destacou que “o MP apenas pode realizar investigações criminais quando a investigação tiver por objeto fatos teoricamente criminosos praticados por membros ou servidores do próprio MP, por autoridades ou agentes policiais e, ainda, por terceiros, quando a autoridade policial, notificada sobre o caso, não tiver instaurado o devido inquérito policia l”. Escora-se, assim, a PEC 37 em sólidos argumentos, seja à vista da Carta maior, seja à luz do arrazoado de um dos mais ilustres integrantes do Poder Judiciário do país.
Veja-se, ainda, a questão por outro ângulo que não o da interpretação legislativa. As funções judiciárias são claramente delimitadas na Constituição, cabendo ao Judiciário o poder de julgar, ao MP o papel de apresentar denúncia e acusação, e à advocacia o de realizar o inalienável direito de defesa. O Ministério Público, portanto, é sempre e indissociavelmente parte dos processos. Como tal, tem interesse implícito nas ações levadas a julgamento. Ora, aceito o alegado princípio da competência do MP de presidir inquéritos criminais, estaria o primado jurídico do país contaminado por uma contradição de graves consequências — a de uma mesma parte apresentar denúncias e produzir provas ao arrepio da atuação da Polícia Judiciária. Não é, com certeza, uma situação jurídica cara a um estado democrático de direito.
Cumpre, portanto, à PEC 37 restabelecer o primado da legalidade, agravado por uma interpretação heterodoxa da Constituição. Ademais, registre-se que ao MP não está reservada, no texto em discussão, a exclusão no andamento de inquéritos criminais. A ele permanece assegurado, como inscrito na Carta, o direito de participar de investigações, solicitar diligências, enfim, atuar ativamente nos inquéritos policiais, desde que requisitado pelas corporações imbuídas do legítimo papel de Polícia Judiciária. Em suma, exclua-se do debate o erro de princípio, e estarão abertas as portas para o desejado consenso sobre tão relevante questão.
Rodrigo Ribeiro é advogado


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/principio-equivocado-8774484#ixzz2XHLsEGaF

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