segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Mansões irregulares nos Lençóis que Justiça mandou demolir seguem de pé

POR OSWALDO VIVIANI

Reportagem especial exibida no domingo (31) no programa “Fantástico”, da Rede Globo, mostrou que em várias partes do Brasil casas, mansões e hotéis são construídos ilegalmente em áreas de proteção ambiental.
Mansões erguidas às margens do Rio Preguiças, em Barreirinhas, na região paradisíaca dos Lençóis Maranhenses, foram destaque na matéria.

Clóvis Fecury e Arione Diniz: mansões irregulares em Barreirinhas
O político maranhense Clóvis Fecury (DEM), suplente do senador João Alberto de Souza (PMDB), e o empresário Arione Diniz, dono das Óticas Diniz, foram citados na reportagem.
As mansões que eles possuem em Barreirinhas foram alvos de ações do Ministério Público Federal (MPF). Em dezembro de 2009, o juiz federal José Carlos do Vale Madeira (5ª Vara) mandou demolir nove (e não sete, como informado no “Fantástico”) construções levantadas irregularmente na área, entre elas as mansões de Fecury e Diniz. Os imóveis permanecem de pé graças a recursos judiciais.
Foto: Reprodução/TV Globo
Mansão de Diniz: rio desviado para fazer praia particular
O assunto foi tema de reportagem do Jornal Pequeno em 2009. O jornal revelou que, além dos imóveis de Clóvis Fecury e Arione Diniz – ambos localizados no povoado Cantinho –, a Justiça mandou derrubar a mansão do contador Waldely Leite de Moraes (povoado Cantinho); as casas de veraneio de Valter Dias (povoado Cantinho) e José Rodrigues de Paiva Júnior (povoado Cantinho); as pousadas de Miguel Costa Ribeiro (“Pousada Lagoa Azul”, no povoado Cantinho), Michael Rudolf Hipp (“Pousada Sossego do Cantinho”, no povoado Cantinho) e da Caetés Pousadas Turismo e Representações (“Pousada Caetés”, na praia de Caburé); a casa de veraneio de José Rodrigues de Paiva Júnior (povoado Cantinho); e o bar da empresa DB Milan (“Bar Terraço do Preguiças”, na praia de Caburé).
O JP também revelou que as nove sentenças do juiz José Carlos Madeira são parte de uma ação do MPF que apontou 82 imóveis irregulares na região, entre eles uma casa da desembargadora Cleonice Silva Freire, do Tribunal de Justiça do Maranhão.
Veja a seguir trecho da matéria do “Fantástico” referente ao Maranhão editado em destaque e também o restante da reportagem:
Áreas de Proteção Ambiental (APA), que deveriam ser preservadas, são invadidas e dão lugar a casas de alto luxo para o conforto de poucos.
Em maio de 2002, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) redefiniu as áreas de preservação permanentes em território brasileiro e proibiu construções a menos de 300 metros do mar.
A mesma resolução do Conama, que tenta proteger as praias, impõe uma regra cristalina: ninguém pode construir a menos de 30 metros da margem de qualquer rio brasileiro. Em um rio largo como o Rio Preguiças, na região dos Lençóis Maranhenses, o resguardo aumenta para 100 metros.
Navegando pelo Rio Preguiças, não foram avistados os bichos que deram nome ao rio. Não seria então o caso de rebatizá-lo como "Rio Mansões"? O Ministério Público Federal quer demolir 18 delas.
“A demolição, conforme os laudos técnicos do Ministério Público Federal, faz com que essa vegetação, que é de preservação permanente, volte a nascer”, explica o procurador Juraci Guimarães.
Para isso, o contador Waldely Leite de Moraes precisa tirar a mansão do caminho. O proprietário passou do limite do rio. No segundo andar da casa, tem uma churrasqueira e mais um quarto. A construção avançou além do que seria o limite da propriedade. O problema é que nem a propriedade pertence ao dono da casa.
“Isso é uma surpresa para o Ministério Público Federal. Essa construção é feita para áreas locais, muitas vezes, com a proteção de políticos locais, de acordos com prefeituras e autorizações que o Ministério Público entende como ilegais”, diz Juraci Guimarães.
A sentença judicial que mandou demolir a mansão afirma que parte da obra "encontra-se encravada em terreno de marinha, que é bem da União", e portanto "de uso comum do povo".
Sentenças de demolição já foram expedidas para sete mansões no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. Entre elas, está a de Clóvis Fecury [do DEM, ex-deputado federal maranhense e atual primeiro suplente do senador João Alberto de Souza, do PMDB].
O juiz disse o seguinte: como o terreno foi comprado de um "antigo morador que já o ocupava irregularmente", o político "não pode ser considerado proprietário, mas apenas ‘possuidor’ do imóvel", ficando, portanto, sem qualquer direito sobre ele.
A Justiça também mandou demolir a mansão do empresário Arione Monteiro Diniz [dono das Óticas Diniz], avaliada em R$ 4 milhões. Tem churrasqueira, estacionamento de lancha, deck, lago artificial para criação de peixes, mesinhas com choupanas dentro da água e até um campo de futebol.
A entrada do rio é um dos maiores problemas da casa porque foi construída artificialmente. É uma intervenção na natureza unicamente para atender aos desejos dos moradores de ter uma praia particular perto de casa.
O órgão ambiental responsável por áreas como essa no Maranhão é o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). É uma instituição federal criada em 2007, ligada ao Ministério do Meio Ambiente.
O coordenador de proteção ambiental do ICMBio, Paulo Carneiro, admite que no entorno do Parque dos Lençóis Maranhenses a fiscalização é falha. “Nosso número de agentes é restrito. Nossos fiscais atendem a demandas prioritárias. Então, em épocas de desovas de espécies ameaçadas de extinção, focamos nisso”, diz.
Os donos foram condenados em primeira instância, mas as mansões continuam de pé. Em nota, [Alfredo Dualibe], o advogado de Arione Monteiro Diniz e de Clóvis Fecury, diz que as casas têm alvará de construção fornecido pela prefeitura e que os proprietários tomaram as precauções necessárias e obtiveram as licenças dos órgãos públicos.
O advogado de Waldely Leite de Moraes afirma que a construção do imóvel foi precedida de licença e que “no local não havia mata ciliar e ou vegetação nativa”. (Do Fantástico, reportagem exibida em 31.07.2011)
Em várias partes do país, há construções ilegais em áreas de proteção ambiental
O “Fantástico” passou três semanas viajando o Brasil para mostrar até onde vai a ousadia de quem ignora a lei ambiental e constrói em áreas que deveriam estar protegidas. Na beira da praia, no alto de morros e na margem de rios são erguidas mansões e hotéis de luxo onde a natureza, por determinação da lei, deveria permanecer intocada.
A destruição de florestas, praias e rios se espalha por todo o Brasil. Será que os donos não sabiam que estavam construindo suas casas em áreas de preservação ambiental? Se não sabiam, pouco a pouco vão sendo avisados pela Justiça. São centenas de ações movidas pelo Ministério Público contra obras e autorizações irregulares.
Mas é bom deixar claro: muitas áreas de preservação permanente ficam dentro de propriedades privadas. O desrespeito à lei acontece quando os donos das terras resolvem desmatar aquilo que têm a obrigação de proteger.
Campos do Jordão (SP) – O repórter Rodrigo Alvarez descobre uma construção irregular e decide entrar. “Eles fizeram o Ministério Público de palhaço”, declara o promotor Jamil Simon.
A indignação do promotor é com o caso do Hotel Surya Pan. O luxuoso conjunto de casas e bangalôs, em Campos do Jordão, a 180 quilômetros de São Paulo, foi erguido com a destruição de 11 hectares de Mata Atlântica. Essa área, equivalente a 17 campos de futebol, foi desmatada em uma região de preservação ambiental, apesar da promessa do dono do hotel. “Ele fez um acordo comigo na Promotoria, para não mais intervir lá”, lembra Jamil Simon.
O termo de compromisso é de julho de 2000. Os donos do Surya Pan admitiram a responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente e prometeram a recuperação completa da área, em um tempo em que o que existia ali era só o começo de uma estrada. “Eles mentiam. Eles diziam que a vegetação estava em estágio inicial. Era pura mentira, falsidade, crime. Aí eles concediam as autorizações com essas declarações falsas”, afirma o promotor Jamil Simon.
O “Fantástico” procurou os responsáveis pelo Surya Pan, mas eles não quiseram se manifestar. Quem concedeu as autorizações para a obra do hotel, mesmo sem poder para fazer isso foi o Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN), extinto em 2009.
A maior parte dos documentos tem a assinatura do então supervisor Francisco Fernandes Pereira Neto. “Será que ele está fazendo isso por ser incompetente ou por que ele está recebendo propina?”, questiona o promotor Jamil Simon.
Localizamos o ex-funcionário em Guaratinguetá, no Vale do Paraíba. Ele está desempregado, presta consultorias eventuais e ajuda a mulher em uma clínica veterinária. O engenheiro bota a culpa na Legislação Ambiental Brasileira que ele diz não ser clara: “Ninguém entendia a resolução do Conama”.
Francisco Fernandes Pereira Neto rebate as suspeitas de corrupção: “estou desempregado até agora e trabalho com a minha mulher”. O ex-funcionário foi demitido em 2004 e responde por crime ambiental.
Outro hotel, o Blue Mountain, aberto no ano passado, é um dos mais luxuosos de Campos do Jordão. A diária custa R$ 4.100 para um quarto de casal, com um escritoriozinho e a vista para Mata Atlântica.
Se os hóspedes têm uma vista maravilhosa é porque o Blue Mountain foi construído exatamente no ponto mais alto da montanha. Segundo o Ministério Público, a obra causou danos às nascentes de oito rios e interferiu na fauna de uma região com seis espécies ameaçadas.
“Toda a construção desse hotel está dentro de uma legalidade. Todos os alvarás e licenças foram concedidos pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo”, aponta Roberto Jeolás, administrador do Hotel Blue Mountain.
Só que em 2008, o próprio governo de São Paulo reconheceu o erro e cancelou as autorizações. “É um problema de estado, município, federação. Eles precisam se entender primeiro”, afirma Roberto Jeolás.
Há quatro meses, um juiz mandou demolir o Blue Mountain, obrigando os donos e o governo do estado de São Paulo a pagarem os custos de remoção do entulho e regeneração da natureza, mas ainda cabe recurso, e o hotel funciona normalmente.
São Sebastião (SP) – De cima, é possível ter uma visão muito clara do que acontece na Mata Atlântica e de como o ser humano avança pela natureza em áreas de preservação. Mas nem tudo o que parece é realmente crime ambiental. Algumas casas no cobiçado litoral norte de São Paulo receberam permissão do Ibama ou foram construídas antes das mudanças na lei que aconteceram em 2002. Em maio daquele ano, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) redefiniu as áreas de preservação permanentes em território brasileiro e proibiu construções a menos de 300 metros do mar.
Segundo o Ministério Público, o Condomínio Aldeia da Baleia [em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo], comete três faltas graves: destruição de mata nativa, construção em área de restinga, ou seja, quase dentro da praia, e casas grudadas na margem de um rio. “Ainda há mentalidade no cidadão de que, para ele construir, basta ele adquirir uma área”, ressalta o promotor Matheus Fialdini.
Em nota, a Associação Amigos da Aldeia da Baleia diz que os proprietários adquiriram seus lotes totalmente legalizados e que houve investimentos para minimizar os danos ambientais.
Angra dos Reis (RJ) – A equipe do Fantástico chegou a 4 mil metros de altitude, sobre uma floresta maravilhosa, que é uma sobrevivente. Segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, menos de 8% da Mata Atlântica resistiram à ação do homem.
De helicóptero, o repórter Rodrigo Alvarez se aproxima da Ilha da Cavala, em Angra dos Reis, no litoral sul do Rio de Janeiro. Aparentemente, é uma ilha deserta. De repente, aparece um telhado, que se transforma em uma casa. Na verdade, é uma mansão de 1,5 mil metros quadrados. “Ele tentou enterrar a casa e deixou uma cortina de vegetação para quem passar de barco não detectar essa construção”, afirma o José Maurício Padrone, coordenador da Secretaria do Estado do Ambiente do Rio de Janeiro.
Na mansão que o dono tentou esconder, a terra que saiu do buraco da obra foi jogada sobre a mata e a destruiu ainda mais. O Ministério Público pede, além da demolição, que o dono, o empresário Antônio Claudio Resende, pague a conta da limpeza e da recuperação.
Em breve nota, a assessoria do empresário diz que não há pedido de demolição e que o processo de licenciamento está em curso.
Paraty (RJ) – Logo adiante, é avistado um paraíso cobiçado: o Saco do Mamanguá, em Paraty. No local, só sobrou o terreno da casa de R$ 5 milhões construída em área protegida. Foi tudo demolido em novembro passado. Outra casa, segundo o Ministério Público, em situação completamente irregular, avaliada em R$ 10 milhões.
Um rio foi desviado para passar embaixo da casa, e as pessoas poderem ver a água de dentro da sala da casa. Há outros bangalôs à direita e mais em cima um heliponto, para facilitar a chegada.
“Essas construções foram feitas de duas formas: ou negociando licença ambiental fajuta com funcionários corruptos dos órgãos de meio ambiente ou no peito, pelo proprietário”, explica José Maurício Padrone, coordenador da Secretaria do Estado do Ambiente do Rio de Janeiro.
O proprietário resiste. “Ele impede a demolição com recursos de liminares”, diz José Maurício Padrone, que prefere não falar sobre o dono da mansão, o empresário Alexandre Negrão. Em nota, a advogada dele afirma que a “residência foi construída mediante licença da prefeitura e possui autorização do Ibama”.
Na ação, o Ministério Público do Rio de Janeiro repete o pedido: demolição. Pode até parecer contraditório, mas, para aqueles que se empenham na defesa do meio ambiente, ainda vai ser preciso muita dinamite para deixar a natureza em paz. (Do Fantástico, reportagem exibida em 31.07.2011)

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